Sonegador

Declaro-me Culpado!

Preciso confessar, por ora, um de meus crimes, apenas um: Declaro-me culpado pelo crime de sonegação! Não suporto mais conviver com essa culpa entalada em minha consciência, que já me condenou. Assim, venho a público entregar-me. Tenho sido um sonegador inveterado. Não consigo me desvencilhar dessa prática, que tem me acompanhado ultimamente.

Sou um verdadeiro sonegador e disso não posso sequer pedir exculpação!

Tenho sonegado atenção aos meus familiares e amigos. Tenho sido egoísta, querendo um tempo só para mim, quando meus filhos, pais, amigos e até minha esposa, às vezes, reclama de minha presença. Mas não, opto por sonegar esse tempo junto deles, gastando-o somente comigo.

Sonego também um olhar mais atencioso àquele desgraçado que sequer tem coragem de dirigir um olhar a mim, como se fosse um pedido de socorro. Furto-me de ir ao encontro desse olhar. Desvio a minha atenção, olho para o outro lado, corro desse contato, ainda que seja à distância. Não quero me comprometer com os problemas alheios: os meus bastam-me! Sou um constante sonegador de socorro, um egoísta.

Não é de se ver que tenho sonegado tempo a mim! Outro dia percebi o quão afastado de mim tenho estado. Tenho colocado toda e qualquer obrigação a frente de meu bem-estar. Sob a desculpa de ter contas a pagar, melhorar o meu padrão de vida e luxo, ser visto como uma pessoa trabalhadora e responsável pelos outros, por muitos anos venho sonegando um tempinho para cuidar da minha saúde física e mental. Não me permito um momento de lazer e descontração. Já nem sei o que é sair caminhando a esmo num dia de sol; ir ao clube; tomar um banho de piscina; viajar; assistir a um bom filme; ler um livro ou, sei lá, fazer algo que goste. Acho que por isso tenho sonegado tempo com pessoas queridas, mas isso não faz de mim uma pessoa menos criminosa. Não, absolutamente não! Sou culpado pelo crime de sonegação e não posso mais querer arrumar uma desculpa para amenizar o meu crime.

Ah, nem sei se deveria contar, mas tenho sonegado afabilidade e paciência em minhas relações interpessoais. Como ando impaciente quando tento me comunicar. Expresso-me de forma ríspida, lacônica, irônica, a depender do meu humor. Há tempos que não consigo abrir contagem antes de responder algo. Nisso, vejo que tenho perdido o autocontrole. Sei que era diferente. Hoje, não chego nem ao “dois”: pronto, já foi a minha resposta. E essa sonegação de autocontrole tem feito com que eu fique de mal de mim. A rapidez das comunicações tem contribuído para o autoatropelamento em meus diálogos. Tenho passado por cima de minha calma, deixando a excitação raciocinar por mim.

É, sou um sonegador confesso!

Dizem que, na dosimetria da pena, quando há confissão, o cálculo final se torna mais brando. Portanto, eis a minha confissão.