CINE PALACE

Ai, como dói sentar nestas cadeiras num ambiente até acolhedor, mas nostálgico. As pessoas sentadas ao meu redor redor provavelmente nem percebem minha nostalgia e nem imaginariam os seus motivos.

O hall onde estavam as cadeiras, à época do Cine Palace, era um recinto aconchegante onde os cartazes dos próximos filmes prometiam ineditismos emocionantes e superlativos. Lá dentro, na sala de projeções, uma tela recurvada, palco de O Rei dos reis, Os dez mandamentos, Spartacus, Moisés, Ben-Hur, O milagre, Candelabro italiano; Tarzan, o rei das selvas, O último pôr-do-sol, Dançando na chuva, Sete noivas para sete irmãos, A noviça rebelde, Helena de Tróia, Dio, come ti amo, Sartana, O dólar furado.

O lugar era pura magia ao som da voz sensual de Elvis Presley cantando Love me tender, The Beatles ateando fogo com I wanna hold your hands e Roberto Carlos enamorando-se do Calhambeque.

O ambiente seleto, distinto. A juventude, duplamente privilegiada, comprava ingressos e chocolates. Flirts, paqueras, namoros, noivados e casamentos tiveram ali os seus princípios.

Antes de iniciar a primeira sessão (Eram quatro sessões aos domingos. A primeira, a mais- mais), havia uma batalha de bolinhas de papel acompanhada de uma “revoada” de aviõezinhos, alguns realizavam pousos forçados nos coques mais salientes.

Quem não tinha namorado aproveitava o corredor iluminado entre as duas alas de poltronas para ensaiar um desfile. As adolescentes movimentavam-se numa repetida troca de lugares. Os rapazes escolhiam_ como em bandejas de aniversário_ esnobavam, faziam-se e julgavam-se mais atraentes do que James Dean.

O jogo de luzes era acionado junto com uma música pausada, forte. Alternavam-se as cores: amarelo, azul, verde, vermelho; a música, o silêncio; o silêncio, a música. E o suspense. De repente, a vaia. Que vaia! Quantas vaias! Assobios. Mais papéis voando, mais aviõezinhos. Em preto-e-branco Herbert Richers e o futebol. Que bonito é! Lá lá ri lá laiá... Thrillers e... o rei leão balançava a nobre juba na Metro Goldwin Mayer e espantava a Condor Films. Começou o filme e mais uns assobiozinhos não faziam mal a ninguém.

Nas poltronas alguns olhavam ao contrário da direção da tela, encantados com as janelitas projetoras e com o rastro de luz criador de maravilhas, guerras, cavalos, índios, cow-boys, bandidos, sallons, tiros, emoções e beijos. Principalmente beijos. Os beijos de Elvis em Priscila. A boca de Marlon Brando, os olhos de Paul Newman, a cara máscula de Steeve Mc Queen, o porte de Charlton Heston, o rosto pacífico de Omar Sharif, a pose de Giuliano Gemma, o selo de garantia de um bom western de John Wayne e a atração fatal personificada em Kirk Douglas e Sean Conery.

As fantasias masculinas correriam por conta do não-siliconado busto de Jane Mansifield, dos lábios carnudos de Brigitte Bardot; do corpo perfeito de Marilin Monroe; da doçura de Gigliola Cinquetti e de Suzane Pleshette e do misterioso olhar de Elizabeth Taylor.

No plano abaixo, o da realidade, casais atravessavam a fronteira que divide a vida comum da ficção. Os corações se agitavam, as bocas se colavam, as mãos se endedavam, o fogo subia, o tempo passava. Quem viu o filme?

THE END

05/05/2005