*Sem vacinas, sem respiradores.

Sem vacinas nem respiradores.

Nosso personagem nasceu em 1973, com o nome de batismo de Círculo do Livro, graças à união estável entre a alemã Bertlemann SE &CoKGaA e a brasileira Abril Cultural. Na época, os germânicos eram o segundo conglomerado editorial do planeta e entraram com 49% do capital.

O projeto era audacioso na origem e fantasioso para o futuro. Audacioso, pela forma de colocar o produto nas mãos do consumidor, e fantasioso, porque se criara no Brasil o nefasto conceito de que brasileiro era burro e não gostava de ler.

Os livros eram impecáveis na formatação, abrangiam todos os gêneros e escritores clássicos e contemporâneos de muitos países e também do Brasil. A maioria das edições vinha com capa dura e trazia uma biografia completa do autor.

Um fato peculiar é que os livros não apareciam nas bancas nem nas livrarias. Como qualquer clube, o postulante tinha que se associar, por intercessão de outro associado que, por sua vez, recebia brindes por cada novo leitor que conseguisse.

A meu ver, esse sistema único fez com que o Círculo do Livro trabalhasse deficitariamente nos cinco primeiros anos. Mesmo assim, a sócia alemã aguentou o tranco e acreditou no sucesso que viria em 1975, quando alcançaram a marca de 250.000 sócios. Em 1978, eles dobraram essa marca.

Segundo dados oficiais, em 1983, a empresa já possuía 800.000 mil associados em 2.850 municípios brasileiros, atendidos pelo sistema de reembolso postal dos Correios e Telégrafos.

Nos dez primeiros anos, alcançaram a expressiva marca de 17 milhões de exemplares. Ora, esse quantitativo é algo a ser festejado em qualquer país desenvolvido, imaginem, então, para nós, que carregávamos na pele o estigma desagradável de sermos um povo avesso à leitura. Era um índice fantástico, sem dúvidas. O volume de vendas era de tal magnitude, que a Editora Abril teve que ampliar seu parque gráfico.

No dia 26/03/1982, recebi “Os Maias”, escrito por um tal de José Maria Eça de Queirós, como meu primeiro livro. Não parei mais.

Cada sócio recebia, gratuitamente, uma revista/catálogo, constando os livros editados, os próximos lançamentos e o preço de cada volume. Talvez estivesse aí nos preços o grande atrativo. A única obrigação do associado era fazer um pedido a cada três meses. Caso o cliente não fizesse esse pedido, ficava subentendido que ele estaria optando por receber o livro lançado naquele período.

Não posso afirmar com segurança, mas tudo indica que, a partir de 1987, algo estranho aconteceu e a Bertlemann vendeu sua parte à Editora Abril, afastando-se, definitivamente, da empreitada. Desgraçadamente, o Círculo do Livro faliu em 1990, deixando órfãos milhares de sócios, uma incógnita a ser deslindada e uma saudade da moléstia!

Como se não bastasse, nos últimos dez anos, o Brasil perdeu mais de 20.000 livrarias, isso mesmo, vinte mil! Sei do fechamento da Editora Artenova, que pertencia ao escritor piauiense, Álvaro dos Santos Pacheco, e que a Saraiva juntamente com a Cultura entraram em recuperação judicial, fechando mais de trinta lojas no Brasil. Já a Companhia das Letras amarga um passivo de mais de R$ 18 milhões. Quem não morreu, agoniza, asfixiado, por falta de respiradores.

Desgraçadamente, até os ‘sebos’ onde tradicionalmente se encontravam obras raras, estão se tornando mais raros ainda.

Em 2014, foi a vez de o Governo Federal cortar bruscamente a compra de livros didáticos, aumentando, sobremaneira, a crise existente.

Segundo o preconizado por Monteiro Lobato, “Uma nação se faz com homens e livros”, não nos causa admiração o que vem acontecendo há anos com a Educação Brasileira.

No entanto, nós sabemos quando, como, por que e por quem começou essa pandemia, para a qual não existe vacina experimental e emergencial. Tratamento precoce sim, desde que não se questione se há comprovação científica.

Aracaju - Sergipe, 10/ 08/ 2021