Meu pai

Livros são assim, fazem a gente viajar no tempo e no espaço. Três autores e uma autora, de continentes diversos, me conduziram nessa viagem, trazendo na prosa a história de seus pais, o que me levou a embarcar na lembrança do meu: Paul Auster (A invenção da solidão), Chimamanda Adichie, (Notas sobre o luto), Mia Couto (O mapeador de ausências) e Zeyn Joukhadar (O mapa de sal e estrelas).

Desde cedo aprendi a gostar de poesia. Meu contato inicial com os poetas foi a partir dos versos de Castro Alves. Navios Negreiros, Espumas Flutuantes, eram as minhas leituras favoritas.

A minha aproximação maior com os modernistas se deu mais tarde, na ocasião de “saber bem mais que os meus 20 e poucos anos”. Isso em razão de um colega de trabalho, filósofo e poeta, que promovia sessões de leituras regulares dos escritos de Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.

Como na época a memória ajudava, foram vários os poemas desses autores que eu decorei e que nas ocasiões poético-etílicas sempre recitava, sem nem precisar mais recorrer aos livros.

De todas essas poesias houve uma que assim que li, pela primeira vez, me assustou e a sua lembrança me perseguiu pela vida. É de Vinicius de Moraes, a “Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes”. Em seu verso inicial, a razão da minha angústia: “A morte chegou pelo interurbano, em longas espirais metálicas. Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva. De repente não tinha pai”.

O fato de ter saído cedo de casa para trabalhar em cidades que distavam pelo menos 800 km, o telefone fixo era o mais ágil meio de contato. E sempre, a cada ligação que recebia de casa, me vinha à mente o fantasma dos versos do poeta.

Até que chegou esse dia. A notícia foi curta, até pela situação já anunciada, decorrente do seu estado de saúde que vinha se agravando. Diferente do poema, não foi minha mãe – já falecida - a portadora da noticia, e sim uma querida sobrinha, que dele cuidou como ninguém, que disse apenas: Vovô partiu!

Tal qual aconteceu com Vinicius, com Acuster, com Chimamanda (de forma mais terna), com Mia e com Zeyn, um mar de lembranças também me invadiu, tentando trazer para perto de mim aquele homem cujo corpo estava partindo.

O carinho com os sete filhos, o sacrifício para educá-los, o orgulho de ter a todos encaminhado na vida, o coração amolecido com os netos e bisnetos, a arte de fazer amigos, tudo isso passava em flashes muito rápidos na minha lembrança.

Sempre me encantei com as suas histórias. De menino ainda, com a perda da mãe, transformando-se em tropeiro, conduzindo pelo interior de Sergipe os secos e molhados que abasteciam as “vendas” da região, até chegar a soldado de volante, na caça a Lampião.

Essa trajetória de vida lhe proporcionou muitas experiências, transformadas em histórias que nunca cansei de escutar. Os seus “causos” de bravura, muitos que até hoje lembro com todos os pormenores, sempre que ele repetia era como se fosse a primeira vez, tal a riqueza de detalhes e interesse que despertava.

Aqui em João Pessoa, cidade que dividia com Salvador a sua morada, fez vários amigos. Para muitos deles continuo sendo o “filho de seu Euclides”, tamanha era a referência dele para essas pessoas.

Choro sim, pela morte do meu pai, e sei que muito ainda chorarei com a sua ausência. Mas tenho um grande orgulho – que vai me acompanhar sempre – de ouvir muitas pessoas que com ele conviveram olharem para mim e dizerem: Puxa, como você é parecido com seu pai! Não só fisicamente, mas principalmente pela capacidade de fazer amigos e se dar bem com as pessoas. Para mim foi o seu maior legado.

Fleal
Enviado por Fleal em 31/08/2021
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