Raspa de angu.

Mas um dia de domingo...

Desordem na casa pela manhã,

Burburinho de gente acordando...

Olho pela janela e vejo o sol, mas não tenho certeza se ele vai persistir durante todo o dia ...

Domingo... Sei lá...Nunca gostei muito deste dia...

Aliás, quando tinha 10 , 12 anos eu gostava muito!

Mamãe nos acordava, dava café e fazíamos uma caminhada até a casa de Vovó Constância. ..Que alegria! Íamos a frente saltitando... Eram mais ou menos quatro quilômetros de caminhada...

Mas não existia cansaço, era só alegria !

Ao chegar os primos todos estavam juntos com os

vizinhos.

Quintal grande, mangueira, Coco, abricó, fruta do Conde, cabrita, cana caiana, pé de jambo na frente da casa...

Era uma alegria sem fim...Netaiada correndo pelo quintal, um entra e sai a espera pelo almoço. Os adultos conversando e no preparo da comida. Frango , arroz, feijão ... Tudo muito simples e bom...A tarde brigavamos pela raspa do angu doce na panela...Tinha que ter sorteio ou rodízio da raspa... kkkkk...Fubá suado, bolinho de chuva do meu tio Pedrinho...Depois mais tarde, todos arrumadinhos íamos para igreja, na maioria das vezes pra dormir no colo das irmães, para fugir na hora da oração, para escorregar na grama ou comer goiaba e manga no quintal da igreja.

Aquele montão de criança brincado de ser feliz! E olha que toda hora brincávamos disto!

Tinha um pé de Quitéria ( não sei bem o nome mas eu chamava assim) que em seus galhos morava um passaro João de Barro. Aquilo me encantava. Chegava na igreja e sentava no banco lateral onde a visão do basculante cinza era privilegiada . Via João de Barro trazendo material para construir, vi a sua casa sendo erguida, vi a sua namorada, vi trazendo comidinha para o filhote...

E aquilo me fascinava.

O culto comendo solto e eu imaginando o mundo do João de barro...

Um belo dia ele não voltou.Não teve mais nenhuma movimentação na casa...Fiquei triste ...Pensativa...Falaram que ele trancou a passarinha na casinha pois ela tinha traído ele. Então ele foi embora, abandonou o lar...

Aquilo me chocou...Como ela pode trancar a senhora João de barro na casinha???? Como assim???? E realmente ele não voltou mais...

Todos os domingos sentava na janela na esperança de vê-los...A casa ficando cinza com o o tempo...Nunca tive certeza se a senhora passarinho estava lá... Fiquei triste...

Mas não muito, naquela época tristeza em crianças só visitava rapidinho, não fazia morada... Pois ainda tinha o pé de goiaba, a grama verdinha para sujar o vestido de domingo, a bala da irmã Mariinha...

Criança daquela época não ficava chorosa muito tempo ...Tinha tantas alegrias... A festinha do amigo com bolo e guaraná convenção, a comida preferida aos Domingos, o encontro dos primos...

Tudo era uma festa! Do andar de ônibus até o enterro do tio ou vizinho velhinho. Na ocasião, os adultos pesarosos contando " causo" e as crianças brincando e conversando...

Tudo muito simples, mais leve... O tempo seguia seu curso sem muitos questionamentos, seguia na valsa, um passo de cada vez...O tic tac do relógio, o cantar do galo, a espera do domingo, o brincar até adormecer no sofá e acordar com a mãe exigindo o banho antes de dormir...

Saudosismos hoje?

Sim. Cresci. O domingo deixou de ser o meu dia preferido... Passa rápido, logo chega segunda...

Sei lá...NÃO gosto dele...

E com o passar do tempo gosto menos ...

Não sou pessimista, não tenho tendência a reclamar...Mas ultimamente ando muito apreensiva...Algo pairando no ar...Sim, o vírus contribui e muito, mas é algo cinza, pesado, uma ameaça invisível, que está causando doença não somente física mas emocional também.

Algo que está nos atacando e principalmente atacando nossas crianças...A brincadeira de ser feliz que era constante, todo dia, toda hora, está deixando de ser.

O estado de ansiedade, os questionamentos sem maturidade, o excesso de informação, a maturidade forçada, a crua realidade desfazendo os contos de fadas ...

Se para nós, que somos adultos está difícil de encarar? Imagine nossos filhos!!!!

Claro que domingo é apenas um dia da semana, mas o que ele representava é que devemos resgatar...

Mas bolinho de chuva, mas raspa o de angu na panela, netaiada reunida, João de barro na janela, brincadeiras, compromisso com o espiritual, sorrisos, natureza...

Devemos resgatar as origens , o simples e o belo!

Voltar para o que realmente importa.

O que vale o homem se perder a sua alma?!

Dai-nos força senhor para preservarmos nossa essência !!

Por mais raspa de angu, por favor!!!

Glória Alice
Enviado por Glória Alice em 05/09/2021
Reeditado em 06/09/2021
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