DESAPEGAR..MEUS AMORES.

Desapegar é difícil por estar relacionado com amar o verbo desapegar. O verbo é transitivo direto, desapegar de algo ou alguma coisa. E pede objeto indireto. E esse algo ou essa alguma coisa motivados por amor trazem sofrimento se afastados. É preciso que tenham também um destino amoroso. Complicado, difícil esse encaminhamento.

Determinados objetos estão costurados pelo sentimento, muito amados, viscerais em suas uniões com nossas almas, por isto é difícil desapegar, descartar. Desapego é uma espécie de renúncia, e renúncias são difíceis.

Não tenho livros esparsos, tinha uma biblioteca, já muito reduzida, não tenho mais objetos estimados só, mas amados e irrenunciáveis. Só os passo para filhos e netas. Os colecionismos já se foram faz tempo.

Mas arte impossível descartar, não está só na retina, borbulha no sangue, escava cada parte do meu ser, desenha e reescreve minha existência, cada momento ofertado com o êxtase vivido, doado pelos gênios e suas criações. Não há desapego para o amor.

Vendi aproximados cem quadros. Bons, de terceira e até de primeira linha, me aborreci com um de primeiríssima linha e exclusivo, fase azul de Dacosta, e comecei o descarte, faz vinte e cinco anos.

Faturas de quadros e seus artífices estão tatuados em minha mente, as vidas dos artistas percorridas, inclusive.

Esculturas, centro épico de angulação definitiva de minha eleição de plasticidade. Nada igual.

E retenho dessa conquista dos gênios minha submissão integral. Está no rio químico da íris nascido no coração. Tenho algumas peças, outras dadas aos filhos. Dessas a vinculação é extrema. Uma, em minha casa, sou puro amor. Comprei em leilão. As que retenho, poucas, mas envolventes, admiradas, cultuadas a que meu foco se entrega. Algumas. Não se desapega da entrega. É emocional, imaterial, e o emocional é subjetivo, vida própria inexiste, é forma e volatilidade. E ainda penso em comprar um Shiparus, se a pandemia permitir, quem sabe? Sempre recuei, leia-se alfândega, embora pequenas as esculturas, 60/70 cms.

Estou velho? Estou vivo! Velho fica quem nasce e vai vencendo o tempo. Faço o que quero e posso. Velho é limitação, quem nada mais tem de curiosidade e o tempo diz: não pode mais. Não morrerei, inércia física e mental, só se o destino disser, “acabou, agora tem de parar”. Vai ser chato...

É como o pregão que eclode até hoje com as corruptelas de origem, “tem bicho carpinteiro”, a significar movimento, originado de “tem bicho no corpo inteiro” para designar crianças de enorme atividade antigamente, E OS IDOSOS hoje, como etimológica a máxima popular originária. Sou assim, não paro.

Desapegar, difícil, mas estou nesse caminho. É preciso. Diríamos, desapegar é fugir do que não fica, material, ficar circunscreve somente a preciosidade das memórias existentes, máximas, reais, verdadeiras, onde nada existe mais do que amor de sangue, de descendência, de família.

Daria tudo em desapego que tenho e construí, e me importa muito pouco, pois outros tantos ganharia querendo, se precisando, por tudo do que não posso me desapegar, nem que fosse um morador de rua, o amor que reveste meu ser e se impregna do tecido que veste minha família, meu sangue, minha vida que vivo com imensa alegria; MEUS AMORES. O resto é o resto.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 17/09/2021
Reeditado em 17/09/2021
Código do texto: T7344395
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