Saudades de Minas.

Desconheço a razão, mas hoje me deu uma saudade de Minas!!!!!

Desde pequena eu ouvia meus familiares contando casos das Alterosas. E era sempre tudo tão singelo! Eu ficava maravilhada e sentia um imenso prazer ao perceber as pessoas se ajudando com muita disposição e carinho. Isso era o nosso normal. Era hábito frequente nas famílias de imigrantes. Eles tinham a mais absoluta certeza de que a família seria o único porto seguro naqueles tempos de pouca comida, ansiedade e insegurança em relação ao futuro. Era o tempo das roupas feitas em casa nas tradicionais máquinas de costura que vinham da bisavó.

Os meus antepassados vieram da Itália e foram direto para Minas e lá começaram os seus primeiros passos. Sei que o meu avô teve uma terrinha e nada mais.

Terminada a segunda guerra (1945) os meus avós resolveram se deslocar para São Paulo para que os filhos pudessem estudar. Felizmente, para eles, o estudo deveria ser sempre a prioridade. Os meus avós liam juntando os pedaços de jornais – alguns já antigos – que o meu avô trazia com as mercadorias embrulhadas e amarradas com barbante fino. E todos os nomes dos tios eram derivados da literatura de Shakespeare: Iago, Otelo, Cássio, Desdêmona, Ludovico...

Na São Paulo do pós-guerra as coisas foram mudando, outras formas de trabalho, escolas refinadas para a época, o bonde, as pensões, o mercado, a Cantareira... mas as saudades de Minas ficaram e eu aprendi a ouvir os causos com atenção e interesse e ter também esse respeito, sentimento refinado, adocicado, internamente guardado com denodo e zelo e que jamais seria perdido.

Muitas vezes fui a Minas. Na infância eu não achava muita graça mas, com o tempo, fui aprendendo a amar aquele pedaço de chão, as montanhas, o céu de um azul poético e permanente, de almas bonitas, de histórias de muitas lutas e conquistas. Voltei para lá na minha lua de mel. Voltei muitos anos depois vivendo intensamente cada pedaço, cada árvore frondosa, observando a calma dos cavalos parados na entrada de Alfenas, o almoço especialíssimo em Campestre, berço da minha mãe e de longas e deliciosas histórias. O magnífico doce de amendoim de Piranguinho – a capital nacional do pé de moleque, a fazenda da pedra, o doce de leite com marolo comprado na estrada entre Machado e Itajubá.

Poucas vezes senti tanta acolhida, tanta serenidade nas relações humanas, tamanha cortesia como daquela gente!

Hoje tenho saudades de um tempo que não vivi. Quem sabe um tempo de mais esperança e beleza! Ou um tempo em que as pessoas olhavam mais nos olhos sem medo, não se envergonhavam das suas condições precárias, de uma vida sem shopping nem exibicionismo. As pessoas eram. Ponto.

Sinto saudades das pessoas que não conheci, dos tios que não conversei, das histórias que não ouvi. Dos doces e broas que não experimentei.

Quando criança eu sentia vontade, muita vontade de comer uma coisa que eu não sabia o que era. Eu nem falava prá minha mãe, pois eu não tinha ideia do que se tratava. Quando eu experimentei o doce de leite com pedaços de marolo, entendi: era isso. Era marolo! Eu já tinha nascido com essa vontade sem saber o que era.

Sinto saudades dos ares de Minas cheirando a forno a lenha, dos poemas de Drummond, dos tempos em que ele estava entre nós!

Sinto falta daquela sinceridade, do footing, da falta de malícia, do pipoqueiro na praça encurtando os saquinhos de pipoca para caber menos, das conversas dos namoros escondidos, de ver a prima fumar escondido com as amigas numa salinha perdida no meio da cidade. Chamavam aquilo de clubinho. Eu não entendia porque mineiro gostava tanto de clubinho... A venda do primo Paulo em que o óleo de cozinha era vendido por litro - a freguesa deveria levar o litro vazio de casa. Ele puxava uma alavanca e o óleo saía por um tubo. Eu achava isso o máximo!

Estive lá também com a minha avó e uma prima no começo dos anos 70. Fizemos escala em Poços de Caldas e nunca me esqueci de um senhorzinho na rodoviária, agachado, pitando, com roupas puídas. Achei aquilo poético. Entre Poços e Machado, lá pelas tantas, o motorista deu um grito pros passageiros:

- “vamos parar e tomar um café?”

De pronto, todo mundo aceitou. O motorista tomou café na casa da comadre , enquanto os passageiros foram para um boteco no meio da estrada.

Minas é poesia, é sentimento, é paz, é um pedaço de um coração vibrante que ainda pulsa nesse turbilhão amedrontador a que fomos lançados nesses tempos trevosos. Minas ainda é. Sobretudo esperança. Simples assim.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 27/09/2021
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