Coisas da Pedagogia.

Na minha juventude tive um professor de Português fabuloso, o Professor Antônio Pitorri. Jamais o vi dando uma aula sem estar trajando terno e gravata. Entrava na sala de aula e, invariavelmente, dizia “bons dias”, e espanava a mesa para então colocar os seus pertences. Brincalhão, sabia como ninguém explicar a língua de Camões. Nunca nos deu uma aula de Literatura, mas, na gramática, marcou minha escrita e me deu ânimo para ser quem sou.

Com humor refinado, não ofendia ninguém, mas quando algum colega fazia algum trabalho mal feito ele simplesmente dizia: “sr. Cotrim, agora o sr. aprendeu como não se deve fazer”. O Cotrim era uma figura única. Coração bondoso, atencioso e solícito, mas era um tremendo de um mau estudante. Um enrolão de mão cheia.

Certa feita, o Professor Pitorri pediu que pegássemos um livro qualquer – qualquer – e procurássemos numa única página três figuras de linguagem e apresentássemos no dia seguinte. Chega vez do Cotrim que, sem pestanejar, disse:

- “Professor, eu procurei no livro inteiro e não encontrei nenhuma”.

O Professor Pitorri fez um “ré ré, sr. Cotrim. O sr. não encontrou nenhuma?” Riu com gosto, não zombeteiramente. E ficou por isso.

Carinhosamente me recordando do meu saudoso Professor: “agora o sr. aprendeu como não se deve fazer” me lembro do atual ocupante do poder no Planalto Central.

Hoje o coiso é um ser (não vou dizer pessoa, por favor) perfeitamente pedagógico. Olhar para ele, ouvir o que ele expele pela boca, acompanhar suas reações, seus olhares, suas atitudes é profundamente ilustrativo no sentido de como não se deve ser, não se deve fazer, não se deve sentir, não se deve falar, não se deve agir, não se deve pensar, não se deve desejar ao próximo.

E como se deve resistir!

A resistência ao coiso e ao que ele representa não pode se dar apenas nas ruas, nas manifestações, empunhando bandeiras e gritando palavras de ordem , votando conscientemente e sendo responsável no momento da escolha nas urnas. Não! A resistência deve ser cotidiana, contínua. Não se deve perder um único momento para se praticar o bem, ser acolhedor (a), sem empático (a), partilhar o que se tem com respeito e dar visibilidade e valor aos que não têm.

A resistência também passa por emprestar ou mesmo doar um livro (um livro!!!), por não criticar acidamente aquele (a) que pensa, que reflete e propõe. Passa também por ações solidárias mesmo com a consciência de que isso não muda o mundo, apenas suaviza a dor dos excluídos.

E hoje chega mensagem via celular o tempo todo. Na associação que me envolvi para produzirmos marmitas para as pessoas em situação de rua, vamos também fazer uma comemoração pelo dia da criança. Sabemos que aquelas crianças de um bairro periférico não vão ganhar presentes dos pais e tios, muito menos guloseimas. Então nós vamos dar os doces com carinho e respeito à infância abandonada e com quase nenhuma referência positiva.

A cada minuto, mais uma pessoa se apresenta para doar os bolos.

Nesse caso, posso dizer: essa atitude, simples, humilde, também é ato de resistência à banalidade do mal. É produzir um pouco de oxigênio num país asfixiado pela crueldade institucionalizada. É provocar um breve sorriso em bocas famintas, desdentadas, com olhares vagos à procura de alguma ternura.

Resistir é preciso, urgente, vital. É preciso procurar a resistência a cada respiração para não morrermos na dor e na escuridão do descalabro. É essencial ressignificarmos a dignidade, falar sobre ela, ir ao seu encontro mesmo com sofreguidão, mas sempre caminhando e com a confiança de que a vida vence. E a primavera há de triunfar com perfume de jasmim.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 28/09/2021
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