Aurélio e o Café.

Lembro da última vez que precisei me dirigir a uma repartição pública. Foi para cumprir mais uma etapa daquela via-sacra que é conseguir realizar um único ato.

Tinha certa intimidade com o atendente, sabia o nome de seus filhos, seu projeto de trocar de carro. Seu nome era Aurélio.

Naquele dia, ao chegar no departamento, na cadeira de Aurélio só havia seu blazer de linho. Perguntei para o funcionário mais próximo o paradeiro do colega, e me foi respondido que: " O Aurélio saiu para tomar um café, mas disse que já volta."

Esperei por cerca de duas horas e Aurélio não voltou. Mas antes da raiva, me veio a graça: olhei para o lado, e o som das impressoras, e das vozes vindas das baias de atendimento se confundiam como um som único intermitente. As paredes de mdf já descascadas. As cadeiras com acolchoamento improvisado porque a espuma se gastou ao longo dos anos.... Tudo aquilo no limiar do caótico.

Concluí, logo que o Aurélio não era negligente. Aurélio era um sobrevivente que , para não enlouquecer, "saiu para tomar café". Não que ele buscasse alguma solução. Não havia. O café era só a melhor e mais elegante forma de fugir daquele momento no espaço e tempo onde os problemas e angustia apertam o nó da gravata.

Antes de me despedir falei com o funcionário à minha diagonal: " Bom, acho que o Aurélio deve ter se perdido no meio da xicara, espero que não tenha se afogado".

Mas, no fundo, senti que eu devia fazer o mesmo: mergulhar de cabeça em toda forma humana de desconexão ... Naquele dia, liguei para o escritório e disse que me atrasaria um pouco e, se alguém me procurasse era para avisar que eu estava tomando um café e já chegava.

Em meio a um mundo tão difícil, com interesses tão difusos, com tamanhas variáveis, com tantas palavras e com tanto medo de dizê-las, o que resta é sair para tomar um café - indigna e legitimamente justificável à bem de qualquer sanidade.

Quem sabe, assim, a gente atrasa a morte das coisas, pelo menos para deixar avisado que fomos tomar um café e em breve estaremos de volta.