Que Santa Teresa D’Avila abençoe todos os professores.

Santa Teresa D”Avila, uma espanhola do séc. XVI, é reconhecida pela Igreja como sendo uma das grandes pensadoras da humanidade. Uma de suas principais características era o interesse pela leitura e pelo conhecimento. Nas palavras do Frei carmelita Marcos Matsubara, “Santa Teresa é considerada mestra de oração e uma excelente pedagoga no caminho da espiritualidade, portanto ela é padroeira dos professores pela sua maestria em lidar com as pessoas para que elas perfizessem um caminho mais fácil para chegarem até Deus”.

Para o Papa Francisco, “Os Professores são artesãos das gerações futuras”.

Inumeráveis são os adjetivos para os professores. Bons e maus adjetivos! Pobre do país que não valoriza os seus! País condenado ao fracasso, à autodestruição, a considerações medíocres sobre a existência! E o futuro? Ora, o futuro de quem não valoriza o saber... Considerando especialmente as sábias palavras do Papa Francisco, podemos refletir sobre a tarefa do artesão: ele percebe a realidade do objeto, trabalha, esculpe, burila, recomeça a tarefa sempre que necessário, se distancia para observar melhor sua criação, retorna, tem paciência, refaz. Certa feita o meu professor de cerâmica, o professor Canabarro, me disse: “não diga que vai fazer cerâmica. Diga o que a cerâmica vai fazer com você”.

Foi naquele primeiro dia de aula que passei a ter consciência do valor de um professor. Mesmo sendo filha de uma professora eu não imaginava a magia, o valor e a presença que cada um deles marcaria para sempre na minha vida.

O meu primeiro dia de aula: fevereiro de 1965. A professora, dona Aurora, mostrou um caderno e disse que no caderno existiam folhas e perguntou o que existiam nessas folhas e a turma respondeu “linhas”. Eu fiquei extasiada! Eu estava, humildemente, sabendo que a minha visão de mundo iria se ampliar para sempre e que o meu tamanho também passaria a ser maior. Eu passaria a conhecer o universo, todos os planetas, todas as coisas da vida para, então, poder ser feliz. Eu não sabia verbalizar isso, claro. Eu sentia. Apenas sentia.

Minhas coleguinhas e eu jamais falamos mal das nossas professoras; antes, as respeitávamos e sabíamos quais os lugares que cada uma deveria ocupar.

Eu me lembro da minha mãe atarefada. Sempre. E arrumava um lanche extra para levarmos para os colegas que não tinham o que comer na hora do recreio. Eu achava tudo isso muito estranho: uns comeriam naturalmente, outros dependeriam da boa vontade de alguma mãe atenta. Mas vamos andando.

Naquela escola humilde comecei a aprender sobre as desigualdades sociais e percebi que era mesmo necessário se dividir a comida. E comecei também a achar que o mundo era estranho.

Mais adiante, quando na 5ª. Série, li o livro “Cazuza”, de Viriato Correia, compreendi o quanto não se pode julgar e sim desenvolver a empatia e agir eticamente. O menino Cazuza, durante os recreios, se desligava dos amigos e ia se esconder num canto prá lá do campinho de futebol levando uma latinha nas mãos, onde deveria estar o seu lanche. E os amigos ficavam intrigados com aquela atitude e julgavam: ”ele só pode estar trazendo coisas gostosas para comer e se esconde para não dividir com a gente”. Um dia, resolveram ver o que fazia Cazuza no esconderijo. Pé ante pé se aproximaram e descobriram: Cazuza não levava nada para comer. Ele não tinha. E se escondia por vergonha dos amigos...

Essa leitura marcou a minha concepção de mundo. Foi ali que comecei melhor a compreender a minha avó quando dizia das necessidades dos mais humildes, da atenção e do respeito que devemos dispensar a eles. Agradeço sinceramente à minha avó pela presença marcante como uma grande mestra na minha vida. Agradeço ao professor pela indicação de leitura desse livro. Como agradeço também ao professor Paulo Frigério que nos indicava a leitura de Aleksander Soljhenitsin, prêmio Nobel de Literatura naquele longínquo ano de 1974. Li muito esse autor russo na minha adolescência. E logo passei a me indignar, a me escandalizar com o sadismo dos governos totalitários. Compreendi que é necessário se lutar bravamente contra qualquer tipo de ditadura. Ela é o câncer mais agressivo, mais ameaçador, mais estarrecedor que uma sociedade pode enfrentar. Perdi noites de sono pensando nos gulags. E confesso que senti muito medo de tudo aquilo que lia sobre o tema.

Mas o respeito foi o fundamental que guardei por todos os meus professores em toda minha vida. Sempre me lembro do Irmão Leonardo, um senhorzinho italiano já sem sotaque, nascido na época da I Guerra, magérrimo, que foi um grande amigo em horas difíceis e que me ouviu atentamente. E me recordo de todos e todas com enorme frequência e consideração. Aceitávamos as correções com naturalidade e elegância e nunca com ranço.

Certo dia, na oitava série, eu pedi para que o professor de Inglês me deixasse dar uma aula. Ele permitiu e me incentivou a ser professora. O professor Pitorri, de Português, nos convocava a falar lá na frente por cinco minutos sobre um assunto qualquer, da nossa escolha, mas deveríamos ter fluência, usar adequadamente o vocabulário e jamais deveríamos parar para pensar. E aceitávamos os desafios com a certeza de que estávamos na sala de aula para aprendizado e não para reclamações inoportunas.

Todos eles estão nas minhas orações. Sempre. Não há como agradecer a todos e a todas. A eternidade é pouca para tanto.

E hoje saúdo todos os professores e professoras desse país agora mergulhado no sofrimento, na desfaçatez, no abandono, na sandice de uns tantos que se julgam donos do destino e fazem gestos obscenos para a sociedade quando criticados publicamente por suas más ações. Saúdo a todos e todas que ensinam e orientam os seus alunos a lerem livros como Cazuza e que não se riam jamais, jamais, daqueles que não têm o que comer. Mas que alunos e alunas aprendam também que partilhar não é tudo. É apenas parte de um longo processo de aprendizagem: aprendizagem de luta por justiça, por igualdade, por respeito, por retidão de caráter. Há se de respeitar a vida em sua plenitude.

Confesso que, como professora, tentei me esmerar, me aperfeiçoar constantemente, mas professores erram sim e muito. Eu peço perdão a alguns alunos e alunas. Errei porque ninguém sabe – só os professores sabem – as consequências emocionais e físicas de estresse acumulado por longos anos, de cobranças absurdas e diuturnas, das salas de aulas lotadas, de uns tantos pais e mães que acreditam que participar da educação é demonstrar agressividade como marca de presença. Agradeço a todos os alunos que souberam me compreender nos momentos de exaustão imensa e intensa e peço perdão por não conseguir ouvi-los em alguns momentos necessários.

Que Deus abençoe e ilumine a todos os professores e todos os alunos e a todos aqueles que estão fora das salas de aula. Que todos estes também se comprometam a construir um mundo melhor e mais digno. Que lutem por direitos mas que saibam que os deveres devem aparecer em primeiro plano.

Que os professores se especializem cada vez mais, que consigam ter condições de ouvir mais e que os alunos tenham a consciência de que é preciso esforço, comprometimento, disposição, interesse e que abandonem definitivamente aquela bagagem infernal de “mimimis”. E que saibam, como dizia Einstein, que sucesso só vem antes do trabalho no dicionário.

P.S.: nessa narrativa de hoje me abstenho de criticar as nossas atuais estruturas e condições de trabalho nesse país por ora estraçalhado pela barbárie. Apenas demonstro minha gratidão e reconhecimento pela brilhante tarefa de ser professor.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 15/10/2021
Reeditado em 16/10/2021
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