Parabéns, Fernanda Montenegro!

Eu não poderia terminar este dia sem parar para refletir um pouco sobre a sua vida, sua brilhante trajetória, a sua beleza ímpar e a sua presença na cultura brasileira.

No final do ano retrasado comprei o livro de memórias da Fernanda, intitulado “Prólogo, ato, epílogo”, editado pela Companhia das Letras. Foi um presente que eu quis dar para a minha mãe por ocasião do natal. A entrega foi uma verdadeira solenidade mas, antes, eu havia lido aquele livro tão especial e excepcional, depois embrulhei com cuidado para o dia da entrega. Era impossível eu ficar uns dias com o livro fechado em casa. Era uma oportunidade de aprimoramento cultural imperdível, uma festa! Impossível esperar.

O livro começa assim: “Para meus filhos, que cresceram na Zona Sul do Rio de Janeiro, nos anos 1960 e 1970, a saga de nossos antepassados pode parecer um folhetim. Ou uma tragédia. Para mim é uma realidade brutal de sobrevivência. Descendo de gente quase medieval, ligada à agricultura e ao pastoreio. Junto deles eu cresci. A família de meu pai era de lavradores portugueses e a de minha mãe, de pastores sardos. Apenas uma geração me separa deles”.

Só por esse início do livro de memórias se pressupõe a sensibilidade e a intensidade dos sentimentos contidos ali.

A suavidade e a beleza do texto, a luta pela produção da arte no seu sentido maior, o enfrentamento à ditadura, a produção criativa, sua postura guerreira diante dos fatos da vida definem sua luminosa estrada de quase um século. Bendito século!

O século XX fora o mais violento da história da humanidade, mas foi também o mais vigoroso em termos de produção do conhecimento. Foi ali, no século XX, que Fernanda Montenegro nasceu há exatos 92 anos.

De tudo eu fiz nessa encarnação para acompanhar o trabalho dessa talentosíssima atriz. Certa feita, Fernanda esteve cá nesse pedacinho de terra perdido no mar, onde resido há mais de três décadas, apresentar uma peça de teatro intitulada “Dona Doida”. Com muito pouco dinheiro, meu marido e eu juntamos nossos trocados e fomos ao teatro. Felizmente a minha sogra estava na nossa casa em visita e pode ficar tomando conta do nosso filho ainda bem pequeno. Fomos ao teatro sem nenhuma preocupação. Fomos inteiros!

Não há palavras para agradecer essa artista ímpar na história da nossa cultura.

E mais: devo registrar o meu orgulho pelo fato dessa estrela de primeiríssima grandeza ter sido biografada por uma amiga de mais de quatro décadas. Quando completou oitenta anos, Neusa Barbosa publicou “A defesa do mistério” pela coleção Aplauso - obra, aliás, extremamente pertinente para uma excelente viagem cultural através dessa grande diva do nosso teatro .

Parabéns, Fernanda Montenegro. Pela senhora e por tantos outros artistas, intelectuais, professores, cientistas, escritores me orgulho desse país. Nesse momento de desencanto, de desalento e de pesadelos, vocês são o oxigênio essencial para nos mantermos vivos, de olhos abertos quais os seus traduzindo a luz da esperança.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 16/10/2021
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