POR FALAR EM DÁLIAS...

 

 

 

 

24/10/2021 -Final de domingo - O penúltimo domingo de outubro arquivando-se num céu pastoso que leva-me a divagações e uma certa nostalgia.

Passei o dia em casa entre algumas pequenas tarefas, comilanças e um intenso vai e vem de um lado para outro.Tipo:”barata tonta” (uma barata obesa,no meu caso).

Deparo-me no facebook com antiga postagem de uma amiga mineira de longa data.

Nossa amizade virtual vem desde meu ingresso no site Recanto das Letras em 2009.

Dona de uma sensibilidade ímpar, além de escrever muito bem, pinta quadros e aquarelas maravilhosas, muitas inspiradas em fotos que faço de cenários em minha região.

Ela postara a beleza de uma dália que havia florescido em seu jardim. Realmente muito bonita a flor de uma cor encarnada.

 

Vêm-me à lembrança...

 

A casa de vó Maria sufocada entre as pereiras.

O pomar imenso, o riacho, o quintal...

A cerca aramada beirando a estrada que cruzava à frente da moradia.

Era por ali, o caminho para uma antiga olaria e as idas e vindas do pessoal que lá trabalhava e residia , fora sempre intensa.

Daquele lado do quintal, por conta de "fazer bonito" aos passantes, além das bracatingas - todas caiadas até uma certa altura do tronco - pessegueiros de galhos generosos deitavam-se além do arame para saciar a gula de quem passava.

Vale lembrar que à mim cabia a incumbência de caiar os troncos das bracatingas.

Minha mãe, dona de uma lábia extraordinária, assim me ganhava no papo:

- “Thute”, pinte uma a uma cada bracatinga até a altura de um metro, aproximadamente. Depois, venha até a janela e juntos observaremos.

Você verá que parecerão as pernas das normalistas com suas meias brancas.,

Fica lindo !

E quando perguntarem quem as pintou ?...

Eu direi com orgulho: Foi o nosso menino !

Assim de brocha e balde em punho, o “nosso menino” ingenuamente “calçava as meias brancas nas normalistas”.

Confesso que, vistas de longe, as bracatingas acentuavam-se à criativa passada de conversa de dona Hilda.

Bem junto aos arames farpados, podia-se também avistar...

Elas !

As dálias de vó Maria.

                                                                   

Perdiam-se de vista indo de um extremo a outro do terreno.E quando floresciam !... Era um festival de cores e variedades.

Fecho os olhos e ouço ainda o zumbido das abelhas naquelas tardes de sol e visualizo as meias brancas das colegiais.

Vovó com seu avental de bolsos largos - havia sempre um agradinho bem no fundo do bolso - empunhando vassoura e enxada nos cuidados extremos com aqueles arbustos cujas flores, segundo suas crendiçes , combatiam os "maus olhados".

Assim, para todos os efeitos, eram elas - as dálias - responsáveis pelo viço das hortaliças, dos canteiros, pela exuberância das cravinas e gerânios que bordavam seu jardim.

Além, é claro, pela fertilidade dos pessegueiros ao redor da cerca.

Havia uma senhora que lhe pedia sempre um ramalhete de dálias e era-lhe correspondido o pedido com muita ternura e tons vibrantes , ainda que com aquele cheiro meio místico que das dálias se desprendem, eram empunhados estrada a fora.

Uma moça morena, costumeiramente passava por ali a caminho de sua casa. Serena , de passos tranquilos , percorria o trecho com a calma e placidez de quem parecia estar sempre de encontro marcado com a felicidade.

Tinha um sorriso largo, doce , e seu nome era...Dália.

Como nesta vida, uma coisa sempre puxa a outra, eis que a formosa flor no jardim mineiro de dona Lisy Telles , evocou-me o antiquíssimo quintal de vó Maria, onde meus primeiros anos delineavam caminhos tão coloridos quanto as flores que combatiam “maus olhados” .

[ Ao longo da vida fui aprendendo o doloroso processo do "descolorimento" ]

Mais recentemente, em minhas andanças,conheci uma senhora amante das flores, e das dálias ,em especial.

Na curva da rua onde mora, as transplanta em seu jardim e, cruzando a rua, esparge bulbos por um terreno baldio.

Então, quando a primavera se avizinha e meus passos cruzam aqueles conhecidos caminhos, a visão colorida das dálias de dona Conceição, remetem-me à longínquas tardes de sol e zumbidos guardados na memória .

Aí,mergulho nas lembranças e isso ajuda-me no combate à aridez que por vezes a vida nos impõe.

Ah !... Estas dálias...

 

PS.Nesta foto, a moça morena é a "Dália" citada no texto.A foto me foi gentilmente cedida por sua filha Rose

 

                                                                              

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 24/10/2021
Código do texto: T7370745
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