9 - Viagem

“Espaço que se percorre durante uma jornada”. É assim uma das definições encontradas no dicionário Michaelis, em www.michaelis.uol.com.br, para a palavra viagem.

Uma viagem é, geralmente, o percurso para se atingir o destino. Ela não é o objetivo e sim o contratempo: um efeito colateral necessário, muitas vezes negativo.

Assim é para aqueles que preferem ir de avião. Não gostam de perder tempo com a viagem, preferem que o destino chegue rápido, pois é lá onde vão gozar. Tentam extrair da jornada o maior prazer possível, ou o mínimo sofrimento que puderem. Mas querem que ela seja breve.

Resistem a findar, porém, alguns que escolher ir de maria-fumaça. Estes não tem pressa em alcançar o porvir. O que lhes interessa é o passeio em si. Sentam-se à janela, admiram as paisagens, conversam e dançam nos vagões.

Postas estas cartas na mesa, se alguém fizer a aposta de que a vida é uma viagem, então é certo que o destino é a morte. Neste caso, não sei vocês, mas eu prefiro ir de maria-fumaça.

O problema com esta metáfora é que a vida não é uma simples viagem. Comparação melhor seria vê-la como a composição de uma série de pequenas viagens. Muitas vezes começa-se uma excursão antes de terminar a anterior, ou uma viagem contém outra... entre outras variações de complexidade maior, com as quais pode o leitor exercitar sua imaginação.

A composição integral das viagens tem por fim a morte, mas não por finalidade: o propósito da vida não é a morte, e sim a própria vida! A não ser que você queira ser um pouco pessimista. A vida é para ser vivida e gerar mais vida. Se é para ser vivida, que seja com prazer. Rubem Alves já havia sugerido que a vida humana vai além da vida biológica, a primeira sendo distinguida da segunda pelo critério adicional do prazer em se viver. Ele usa este argumento para suportar a ideia de que uma pessoa em estado vegetativo está viva biologicamente, mas não humanamente: para um ser humano estar vivo, ele tem que ter condições para sentir prazer! O prazer em questão é geral: prazer em ouvir uma música, em admirar a natureza, em praticar atividades físicas e intelectuais, em comer, beber, fazer sexo ou uma caridade.

Tão triste ver pessoas que não tem condições para sentir prazer! Mas igualmente triste é ver quem tem condições, mas não quer.

Outro resultado interessante da comparação entre vida e viagem está em analisar a pressa. Fica óbvio que não queremos ir de avião. Queremos ir de maria-fumaça, e torcemos pra que ela enguice várias vezes no caminho, pois aí vamos pra fora fazer um piquenique até que o problema seja sanado. Os que se empacam, emburrados com a falha da locomotiva, ainda podem se encarquilhar dormindo sentados em suas poltronas, ou espichados sobre as poltronas adjacentes, deixadas vagas pelos alegres e irritantes turistas lá fora. Pois é pra isso que servem as poltronas, certo?