M* ou chantilly?

Tenho um dueto em C. São duas pessoas que nem se conhecem, morando em cidades distantes, apresentando em comum além da inicial dos nomes a minha amizade de longas datas. Em conversas separadas e afastadas no tempo, elas acabaram me dando o mote para esse escrito ao tocarem, ainda que de formas diferentes, no mesmo tema. A primeira C, quase candanga, foi direta ao ponto me inquirindo: qual a sua postura diante das coisas que acontecem em sua vida? Você é daqueles que coloca m* no chantilly ou põe chantily na m*? Perguntou e revelou um pouco de si, acreditando se encaixar mais na primeira alternativa, com uma transição em andamento. E fiquei pensando... será mesmo que as pessoas, pelas suas posturas, podem mesmo serem classificadas nessas duas categorias? A ressalva cabe: o maniqueísmo talvez não seja suficiente para explicar essas posições diante de todas as situações que passamos. Por certo haverá um tertius. Para não errar na catalogação é preciso olhar em volta com atenção e perscrutar as pessoas. Ser um bom ouvinte já permite identificar quem faz parte do time do azul ou do encarnado. Ou de nem um nem outro.

Já a segunda C, a da terra em que “antigamente uma alegria sem igual dominava toda a gente” de lá, me alcançou com o vídeo de uma humorista chamando a atenção sobre a existência de pelo menos dois lados em tudo o que vivemos: o lado ruim e o lado bom, nominando-os de pessimista e otimista. A diferença de um para o outro, segundo ela, está no jeito de falar das pessoas. O pessimista deixa o lado ruim por último, ou seja, primeiro o chantily, a que se referiu a outra C, enquanto o otimista procede de modo contrário, o chantily por fim. É um pouco da preocupação com “a última impressão é a que fica”. Um “por exemplo” explica melhor. Ao falar de filhos o pessimista começa dizendo que eles são uma bênção (chantilly) na vida dos pais, finalizando com um “mas dá um trabalho...”(m*). O otimista, falando do mesmo tema, já diz: “filho dá trabalho”, (m*) “mas é uma bênção” (chantily). E o restaurante tão desejado, com aquela comida que só ele tem? Para uns “é bom, mas é caaaaaro...”. Já o outro até fala que “é caro, mas é booooooom”.

Agimos assim o tempo todo e por vezes sem pensar que esse comportamento, por conta da postura assumida, acaba assustando as pessoas e até podando-as de tomarem iniciativas em razão das censuras que podem receber. Esse jeito de ser se reflete muito no nosso modo de tratar as pessoas, da forma como as valorizamos ou incentivamos. É o filho que tirou um 9 na prova, mas em vez de um “mandou bem” derradeiro, você finda com um “e por que não tirou dez?”. São aqueles três elogios que você faz a alguém e depois deles a pessoa já fica esperando pela bordoada que vem pela frente. É sempre o “sim, mas...”.

Tudo isso me faz lembrar de Gonzaguinha e o seu Grito de Alerta, canção que fez muito sucesso na voz de Maria Bethania, no final dos anos 70. Serve como uma boa ilustração dessa postura de colocar chantily na m*. A música começa pelo lado m*: “Primeiro, você me azucrina, me entorta a cabeça e me bota na boca um gosto amargo de fel”. Depois desse calvário, entra a parte em que o chantily se apresenta, ao final: “Depois vem chorando desculpas, assim, meio pedindo, querendo ganhar um bocado de mel”. Se vai rolar o amor ou não, se vai ter o perdão para as palavras duras, tudo isso é incerto. O que fica é “o lado carente dizendo que sim” mesmo a vida da gente insistindo em dizer não. Usemos mais chantilly...

Fleal
Enviado por Fleal em 01/11/2021
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