Exibicionismo

Era sagrado, todos os finais de semana encontrávamos a turma no bar conhecido por “China”, onde se tomava “Coquinho”, uma mistura de pinga com água de coco, estabelecido na rua Augusta, situada na maior cidade do país – São Paulo. Cada um exibindo suas potentes motos e suas lindas companheiras nas garupas, apelidadas de “cocótinhas”. Isto porque as rabeiras das motos eram propositalmente elevadas e assim a anatomia do corpo de quem estava na garupa ficava evidenciada, ou seja, levantando-se ligeiramente a traseira do banco, realçava também o traseiro da garupa.

Isto era moda nos anos 80, havia uma corrida nas oficinas especializadas para transformar as almofadas originais destas motos por “rabetas”, hoje não precisa mais deste expediente, algumas motos já saem assim de fábrica, não precisam ser personalizadas.

“Zelão” da Suzuki 550, como era conhecido na turma de motoqueiros era um ás nas manobras. Ele descia e subia a Augusta nos finais de semana para dar um showzinho à parte. Ele rompia os limites da moto e da razão. Gostava de viver perigosamente. Suas companheiras também. Bebiam muito...

Mas naquela época dizia-se que o anjo da guarda de bebum era forte. E era! A polícia raramente interferia.

Era comum garotas virem do interior na esperança de trocar seus carros por uma volta de moto, nem que fosse subir e descer a famosa Rua Augusta, com um motociclista aventureiro, uma única vez.

Depois das 10 da noite, naqueles finais de semana, a agitação de pessoas, motos e carros subindo e descendo a rua era grande. Ela se inicia na Martins fontes, lado do centro da cidade, indo até a Avenida Europa, do lado dos Jardins, onde tinha uma demarcação de território: a Avenida Paulista. O primeiro que ia da paulista ao centro era frequentado pelas “namoradas profissionais”, e o lado oposto, da paulista aos jardins era das aventureiras e dos aventureiros. Então o “barato” era subir e descer, este lado da rua para tentar um “bate papo” com as garotas encostando-se com o cotovelo nas janelas dos carros delas sem descer da moto, é claro. O movimento se dava na região entre a paulista e os jardins. Subir e descer estes poucos quarteirões, essa era a estratégia de paquera.

Havia motos de todas as marcas. Motos grandes como a Honda 750 era só para quem tinha muita “grana”. Elas eram caras e importadas. Naquela época eu tinha uma Suzuki 380 usada, e de vez em quando dava meus passeios por lá também.

Vivia-se um “flirting place” motorizado de jovens que queriam acima de tudo a liberdade.

E foi num infeliz dia de domingo, que “Zelão” exagerou na exibição e desceu à Augusta em alta velocidade, por uns instantes acelerou na contramão. E provavelmente foi o momento mais triste da vida dele, é o que falaram! Dizem que ele bateu de frente com um carro que não teve como se desviar.

Ouvi e vivi muitas histórias na Rua Augusta, mas essa foi a mais triste que me contaram.

O tempo passou, as lembranças ficaram e a Rua Augusta continua resistindo, e até o bar onde se tomava “coquinho” está no mesmo lugar, só que com o outro nome. Não vejo mais as “namoradas profissionais” por lá. Mas o glamour da rua continua atraindo centenas de jovens ainda. Seus barzinhos lotam nos finais de semana. É como antigamente. provavelmente com os mesmos anseios dos jovens daquela década. Eles querem, simplesmente, viver com suas tribos. É a irresistível busca por aceitação e liberdade nessa fase da vida, onde nada é seguro ou eterno, independente da situação econômica.

Tenho saudades daqueles tempos e de saber o que realmente aconteceu com o “Zelão” ...