ÚLTIMA VEZ

Ontem, antes de sair de casa, fui até a janela do meu quarto e olhei pr'aquele céu azul, limpo, lindo, leve. Peguei nas folhas da janela para fechá-las e pensei: "A gente nunca sabe quando fará as coisas pela última vez ou sabe. Talvez essa seja a última vez que fecho as janelas do meu quarto!" Olhei para o quarto pensando no que minha mãe veria no meu quarto quase vazio se eu não voltasse mais pra casa. Veria o quarto que foi arrumado naquela tarde pela úlima vez, mas pensei: "Se hoje fosse a última vez, eu teria deixado alguma coisa escrita e visível!" Isso foi tudo numa fração de segundos. Respirei: "A gente nunca sabe quando fará as coisas pela última vez ou sabe! Acho que a gente sabe!" Desci as escadas e minha mãe apareceu no portão:

- Aline, a Marília morreu!

- Que Marília? - perguntei assustada.

- A cantora, caiu um avião e matou toda a equipe. A menina acabou de me falar ali.

Minha cabeça procurava pelas Marílias famosas que eu conhecia, só lembrei da Marília Pera: "Mas, ela já morreu!"

- Mendonça?

- Sim, foi ela. A cantora e a equipe!

- Claro que não, mãe, não é possível!

Peguei o celular e fui pesquisar, na primeira nota dizia que ela estava bem, que ela e o outros ocupantes tinham sido resgatados com vida e falei isso pra minha mãe. Depois vi uma nota falando da irresponsabilidade da equipe de imprensa dela por ter passado essas informações irreais. Fui rolando as notícias e as notas do twitter eram fatais. Foi fatal. Eu não conhecia Marília pessoalmente, mas artistas conhecidos é como se fossem da família por conhecermos um pouco de suas vidas. Ela veio para fazer a diferença para milhões de pessoas e fez. No dia que assisti ela, a Mayara e Maraísa no Fantástico falando sobre o novo projeto delas, infelizmente não senti uma coisa boa e não senti brilho, não que eu quisesesse que não acontecesse, eu não sentia que aconteceria, não como o planejado. Fiquei com isso na cabeça e quando via falar do projeto e dela na tv, eu não sentia. No domingo o motoboy da lanchonete da minha irmã disse que ia pro show dela na segunda em Sorocaba, parecia algo pesado sobre a sala. Ontem tocou na minha playslist o clipe dela com o Xamã, Leão, parei pra prestar atenção, uma música intensa. Não sei o que senti. Mas, não estou escrevendo esse texto para falar sobre as coisas que senti ou não sobre ela, mas pra falar sobre as nossas últimas vezes. Ontem não foi a última vez que fechei a janela do meu quarto, mas foi a última vez que ela abriu os olhos e acordou, viu o filho, viu a mãe, vestiu-se, saiu de casa, entrou num avião, postou algo, comeu, falou, pensou e respirou. Ontem foi o dia em que Marília, os outros tripulantes do avião e outras milhares de pessoas fizeram coisas pela última vez. A gente não sabe quando vai ser, mas quando chega, a gente sente. A gente sente. Pra quem é sensível e consegue enxergar a pessoa, a gente sente, a gente vê. Todas as vezes que vi alguém pela última vez, eu soube, eu senti que era. Mas, de novo, não estou escrevendo para dizer o que sinto, mas o que a vida é. Só temos o hoje, hoje é a última vez. Faça, diga, abrace. Viva o seu hoje pela última vez, mesmo que haja um amanhã, hoje sempre será um último dia de alguém.

2021/10/06

Aline Alves
Enviado por Aline Alves em 06/11/2021
Reeditado em 08/11/2021
Código do texto: T7380062
Classificação de conteúdo: seguro
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