Discurso Fabricado

Tarde quente, faz uns trinta e poucos graus. Calor insuportável e nem sequer sinal de chuva.

Mesmo assim, saí andando pelas ruas. Parei e observei os pedreiros trabalhando no condomínio, todos eles homens humildes e trabalhadores.

Automaticamente me veio na mente a ideia de exploração e domínio.

O discurso oficial fabricado diz que eles estão nessa situação por escolha própria, então eles merecem, pois que mandou não estudar?

Por trás desse discurso é possível perceber a existência de histórias de pessoas vítimas da seca do sertão, latifúndio, concentração de renda e o legado da escravidão em alguns casos.

Fugindo para cidade, sem muitas escolhas, sem oportunidades de estudo, sujeitam-se ao trabalho duro. Sobre a discriminação racial, nem é preciso mencionar.

Se o discurso fabricado diz que o trabalho duro é o caminho para prosperidade e riqueza, então por que os que menos pegam pesado no batente são os que mais enriquecem?

O pior disso tudo é que muito deles compram esse discurso, acreditando estar nessa situação por merecimento, ou seja, a famosa meritocracia é cantada nos quatros cantos no país da democracia do faz de conta.

Alguns metros mais a frente, olho para o bar, coisa abundante na nossa área, vejo vários se acabando nas bebidas, bebendo tudo que podem, inclusive seu futuro.

A cada palavra aqui escrita, a morte através do cigarro faz mais uma vítima e enquanto você dá uma tragada, o cigarro traga todo seu salário, sua saúde, sua vida, transformando você em seu escravo. Mas quem sou eu pra julgar? Por isso, continuei a andar.

Chegando na pracinha, percebo alguns rapazes dando uns dois e penso no discurso fabricado hipócrita do governo censura algumas drogas, mas não tem moral, muito menos coragem para vetar o cigarro e a bebida que também são drogas. Tudo em nome do desenvolvimento e da economia.

Santa demagogia. Sou favorável a proibição de todas as drogas, diga-se de passagem.

Entrando em outros territórios, registro ruas esburacadas, lixos esparramados pelo chão, ponto de ônibus precário, escolas de lata e nenhum sinal de algum centro cultural.

Exigimos qualidades e direitos iguais aos dos moradores do centro, já que pagamos a mesma quantidade de impostos, mas, a classe política em seu discurso fabricado diz que não há dinheiro, mas no futuro quem sabe? O que dizer do discurso fabricado em época de eleições?

No país do blá, blá, blá, rola muita conversinha e pouca ação de fato.

Sentado na calçada com sombra, vejo do outro lado uma casa e dentro dela, a criançada vendo TV sem desviar a atenção. Fico na dúvida se nós fazemos a programação ou se a programação somos nós em que somos transformados em consumidores dóceis, anestesiados, com discursos programados em nossas mentes.

Pior que isso é ver a galerinha da universidade ler Marx, Focault, Nietzche, Maquiável e vim aqui querer ensinar pra gente o que é sofrer, como devemos viver e o que é a vida.

Mas como eu não compro esse discurso fabricado e desses aí eu tô é correndo, sigo em frente, apesar da vida ser dura.

Volto para casa e assim termina meu passeio.

(2016)