Para Ana

Todos deveriam ter uma Ana em suas vidas. O significado do seu nome explica o porquê. É derivado do hebraico e designa aquela que é cheia de graça, que tem compaixão, clemência. Jesus Cristo teve uma Ana, que era a sua avó e certamente desfrutou dessas benesses implícitas em seu nome. A Bíblia conta a história de uma Ana, que era estéril, e por isso mesmo humilhada por Penina, outra esposa de Elcana que havia, ao contrário dela, lhe dado filhos. Em suas orações na visita anual ao templo de Siló, Ana pediu e foi atendida por Deus com um filho que, por seu desejo e promessa foi consagrado ao serviço do Senhor, tornando-se mais tarde o grande profeta bíblico, Samuel. E essa é outra característica de muitas Anas que eu conheço, ser exemplo de oração. Oram por si e pelos outros.

A história, a literatura, também são recheadas de personagens com essa denominação. Alguns polêmicos, mas com força para imprimir a sua marca por onde passavam, dominando da Rússia de Tolstoi à Inglaterra, de Henrique VIII.

Eu também tive uma Ana, Ana Maria, uma querida irmã, que por sessenta e seis anos encheu de graça, compaixão e clemência a vida dos que conviveram com ela. Era daquelas pessoas de quem se pode dizer que “possui a estranha mania de ter fé na vida”. A oração era o seu forte. Não fazia acepção de pessoas e não tinha um “sim, mas...” para ninguém. Vivíamos distantes desde os meus vinte e dois anos, mas sempre na base do “longe dos olhos, mas perto do coração”. Ao mínimo ou máximo aperto lá estava ela por perto, para não só me socorrer, mas a quem dela precisasse. Gostava de ensinar, tarefa a que se dedicou por muitos anos em sua banca caseira, contribuindo para a formação de centenas de crianças, muitas delas hoje adultas, com boa formação, e que choram a sua partida.

Ana gostava muito de música, com um gosto musical semelhante ao meu. Assim, no tempo das fitas cassetes eu me encarregava de fazer as seleções que ouviríamos nas férias quando perto estivéssemos. Gonzaguinha era um dos seus preferidos e eu caprichava no repertório. Na convivência com os filhos e sobrinhos foi abrindo o gosto para outros estilos e agora com um neto estudante de violoncelo, a música clássica era a mais aproximada. A derradeira vez que a vi sorrir foi na segunda feira ao escutar no leito do hospital “agora adeus, Ana Maria, Deus te guarde para o amor. No céu, Santa Maria, aqui na terra o seu amor”, que um sobrinho muito amado por ela colocou para que ouvisse uma das muitas músicas em que o seu nome era celebrado, sendo até cantada pelos Beatles. Ana gostava muito dos irmãos e resolveu homenagear dois deles nos nomes dos filhos. Acabei sendo o mais privilegiado: ela casou-se com um Antonio Fernando, assim como eu.

No final, tendo combatido o bom combate, a corrida terminada e com a fé guardada, sua última vontade foi satisfeita e respeitada: morreu naturalmente, cercada de pessoas queridas, sem nenhum procedimento invasivo, na hora que estava programada. Cristã como ela era, morreu na certeza de que agora uma nova vida está começando. Este é o consolo para os que ficam e que têm a mesma crença.

E assim se foi a minha irmã Ana, no mesmo dia em que 33 anos antes a nossa mãe, outra Ana, por ser Jo...Ana, também partiu. Como diria Roberto Carlos, “Ana, eu me lembro com saudade, do nosso tempo, nosso amor, nossa alegria. Agora, só te vejo nos meus sonhos e quando acordo minha vida é tão vazia. Oh! Ana, que saudade de você”. E serão saudades eternas...

Fleal
Enviado por Fleal em 09/11/2021
Reeditado em 09/11/2021
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