pinterest

 

Um versinho para chamar de seu

 

Ainda não conheço o Vale do Jequitinhonha, o pouco que sei sobre essa região de Minas é através de  documentários televisivos,  uma leitura aqui, outra ali ,  devido  ao apreço que tenho por esse povo deveras valioso. Os Vales são muitos e as antíteses também: dos   diamantes  às águas-marinhas, ao menor índice  de desenvolvimento do estado de Minas Gerais; da aridez e calor intenso ao solo rico em minérios;   da exploração desenfreada ao meio ambiente à riqueza de  sua arte universal   - nada ofusca as verdadeiras preciosidades dessa gente  das Gerais:  tropeiros, canoeiros, pescadores, lavadeiras , artesãos. Ah, os artesãos - das casinhas longe de tudo, isoladas do mundo,  nascem um dos mais requintados artesanatos do Planeta. É de lá também as jogadoras ou jogadeiras de versos: é o Vale da melodia, poesia  e da viola que  a alma consola! De geração em geração, essas mulheres viram a noite cantando  em volta das fogueiras, enquanto assam batatas-doces, abóboras, aipins, enquanto fiam e bordam  a vida com obstinação.

 

Em março de 2020,  o Vale que a tudo resiste, criou o Projeto "Versinhos de Bem-querer", idealizado com a finalidade de divulgar a cultura local e  de arrecadar recursos para as comunidades rurais mais  vulneráveis, impossibilitadas de levar o pão quentinho para o lar, devido às finanças afetadas pela pandemia.  Criaram o site e vozes pra que te quero! O interessado acessa o site e encomenda os versos por um determinado valor. Via  e-mail, ele cita as características da pessoa que irá recebê-lo. Com base nessas informações, as "jogadoras"  gravam um verso cantado, personalizado e mesclam com outros tradicionais.  Os versos são enviados pelo "WhatsApp" a quem encomendou e essa pessoa encaminha para quem quiser. As pessoas compram os versinhos para ajudar e se surpreendem com as riquezas que recebem, diz Viviane, uma das idealizadoras do projeto. São duzentos e dez versos criados e cantados por semana. Quando esse número é ultrapassado, novas encomendas são temporariamente suspensas até a próxima segunda-feira. Quem não quer um versinho para chamar de seu?

 

Marli de Jesus, da Comunidade Quilombola do Curtume, é integrante do  Projeto Versinhos de Bem-querer. Helena, filha de Chico Buarque, havia encomendado um para presentear  uma amiga. Marli aproveitou a oportunidade e acrescentou por conta própria, outro para seu ídolo:

"A lua já vem saindo

Detrás do pé de fulô

Não é lua, não é nada

É o Chico puro amor

Chico, você é tão lindo

Que nem sereno na flor..."

Por meio da filha Helena, com  a elegância e delicadeza que lhes são peculiares, Chico retribuiu:

"Durante a noite inteira

Escuto como quem sonha

A Marli bordadeira

Lá de Jequitinhonha"
 

Os versinhos de Bem-querer decolaram-se do Vale de muitos Jequitinhonhas, desviaram-se da desolação pandêmica e aterrisaram-se em terras americanas, israelenses, espanholas, alemãs, portuguesas, suecas, suíças, uruguaias, chilenas, argentinas - transportando alegrias em toda e qualquer esquina.

Eis uma palinha dessas meninas:

"Meu canarinho dourado

bateu asas e avuou

Vai levando esse versinho

no bico de um beija-flor"

 É  a arte universal semeando muito amor!

Valeu!

 

 

 

 

 

 

 

Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 18/11/2021
Reeditado em 21/11/2021
Código do texto: T7388471
Classificação de conteúdo: seguro