Manifesto Apoteótico

2022, a população carioca quase inteira na rua, milhares de corpos sobre o asfalto escaldante, com fantasias de infinitas cores e propósitos dos mais exóticos aos mais singelos.

A concentração tinha sido marcada para as 10h na Candelária. Pouco a pouco, conforme o sol ia esquentando, as pessoas iam chegando. Agrupadas, sozinhas, comprometidas ou só de passagem.

O itinerário estava programado para sair da Avenida Presidente Vargas e ir caminhando até chegar à Apoteose, no Estácio, onde, à espera, aguardava um gigantesco palco para receber os mais ilustres e famosos políticos e artistas.

O programa incluía samba e muita ‘gelada’. Isso para esquentar e arrefecer em simultâneo a goela e o coração, O entusiasmo era grande, pois que sendo fevereiro, e sendo Rio de Janeiro, não podia deixar de ter a glória e o brilho de um carnaval, mesmo que ainda não fosse o momento.

Contudo alguma coisa ali havia de estranho.

Diria que o povo estava meio desconcentrado, meio desatento, mais do que o costume quanto ao propósito do evento. O que havia de certo é que traziam nas mãos e nas cabeças muitos adereços.

E lá começou a batucada…

Como disse, alguns vinham em grupos, outros iam se agrupando aos poucos Tudo isso ao som de um sonoro batuque que variava de ritmo conforme o lado em que se escolhia ficar. Havia aquele em que o bumbo comandava com um samba de uma escola, no outro, eram os tambores dos índios. Mais a frente, o som dos berimbaus com a capoeira dos baianos. Essa miscelânea em volume de som máximo impedia as pessoas de se falarem, o que até deixava o evento ainda mais animado.

Havia alguns, já meio ‘calibrados’ na cerveja, que gritavam alguma coisa que não se entendia bem. Enquanto outros cantarolavam um la la lá abafado pelo rufar do batuque.

Cores eram todas possíveis, costumes e peles. Entre índios, brancos, penas e turbantes combinando com vestes e fantasias, até tinha os que, sem muita imaginação, vestiam só a camisa da seleção.

Na hora certa lá foram todos caminhando lentamente ao destino.

Quando chegaram à apoteose, começaram a se posicionar se espalhando por aquele imenso espaço e muitos já começaram a arrumar seus apetrechos, muitos deles trazidos o tempo todo debaixo do braço.

E eis que acontece o inesperado. Eu bem que disse que havia algo estranho… é que conforme as faixas e bandeiras iam sendo içadas de suas mochilas e sovacos, ia se percebendo que aquilo mais parecia uma sopa de letras, diria mais, um ‘levanta defunto’. É que tinha de tudo!

O erro foi dos organizadores que misturaram as datas na rede. Tudo para o mesmo dia e horário. Uma perigosa pane no sistema de eventos aconteceu no Facebook.

Fato é que já não se sabia mais quem era um e quem era o outro, quem estava se manifestando ou apenas se fantasiando. Enfim, ninguém mais sabia qual evento estava rolando. Tinha gente fardada bebendo gelada, índio branco e de olho puxado, Pelé usando turbante e a cara de um homem ora como presidente, ora como presidiário.

Uma confusão que nem te conto.

De início, o choque. Principalmente da tropa que fazia a segurança do evento. E nos bastidores do palco, nem se fala, não se sabia mais quem entrava ou saía correndo. Os políticos se entreolhavam com cara de maus amigos e os artistas, ah! Os artistas queriam fazer era arte mesmo.

Vai e vem, e vê quem fica, no final, não havia outro remédio que distrair a multidão antes que aquilo virasse um campo de batalha. Ou se vencia com fogos de armas ou se acendia os de artifício.

Os blocos decidiram então se organizar, pois o calor só aumentava. E, sendo o carnaval a festa da carne, e sendo que carne não pensa, pois isso é coisa da mente, que é como barra de manteiga, quanto mais esquenta, derrete, a cerveja sozinha deu conta do recado. Desceu redondo e terminou num abraço, ‘Aquele Abraço’!

A apoteose se iluminou com o voto unânime popular de que samba e suor só combinam com a fantasia. E isso todos ali tinham.

Por fim, a festa rolou até de madrugada entre passos e compassos, após tanta engonha, mazelas enrustidas e uma quarentena. Agora o que interessava mesmo era ganhar a nota máxima só num quesito, o da alegria.

Quando a festa acabou, foi cada um para seu lado, sabendo, entretanto que quando se reencontrassem seriam novamente inimigos. É que carnaval é bom, mas acaba e a fantasia volta para o armário.

E o que se aprendeu precisamente nessa esquina de ficção futurista…

Um dia todo mundo se encontra…

seja no carnaval, num bar da esquina, ou outra ocasião (Lucas B).

e um destino.

Kawer
Enviado por Kawer em 21/11/2021
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