As estórias que eu ouvia

Histórias da minha infância em:

As estórias que eu ouvia

Férias no meu tempo de criança, era ir para o sítio do meu avô Elias, onde moravam também meus tios e primos. Quando chegava o mês de julho, a ansiedade tomava conta das “filhas de Beth”, como a minha tia nos chamava. Íamos de mala e cuia passar o mês inteiro na roça. Lá, ajudávamos a plantar, colher, brincar, e a ouvir histórias e estórias diversas contadas pelos adultos da casa e vizinhos, ao anoitecer.

Fazíamos uma fogueira no terreiro ou colocávamos lamparinas acesas e sentávamos em círculo, geralmente no chão batido, limpo e quentinho.

A meninada se divertia e tremia quando as estórias eram de assombração… cruzes!!!

Ninguém piscava, ninguém falava, ninguém saía do círculo por puro medo.

Contavam da Matinta Pereira, Rasga Mortalha, Cobra Norato, Boto, Iara, todas lendas amazônicas,

além de outras de domínio nacional. Coração disparado, vontade de fazer xixi, mas , como sair dali? o medo nos paralisava.

Já tarde, minha tia chegava à janela e gritava: hora de dormir, todos para dentro. Os mais velhos iam continuar a prosear, mas nós, tínhamos que entrar.

A prova de fogo começava aí. O medo disparava o coração, secava a garganta, tirava o sono.

O banheiro era na parte externa da casa, lá no fundo do quintal. E lá íamos em grupo, “batizando “todo o chão iluminado pela lua que sorria zombeteira para nós”.

Depois, a tia nos colocava para orar agradecendo pelo dia e tudo o mais, enfim, nos cotovelávamos numa cama gigante.

E a lamparina era apagada…

Meus olhos buscavam as frestas na parede de taipa e parecia que alguém me olhava de volta…

Cobria a cabeça e fechava os olhos e imaginava que alguém iria me descobrir a cabeça a qualquer momento…

Orava baixinho pedindo que o sono viesse.

As estórias se misturavam em minha mente, os mitos dançavam em meus pensamentos.

Muitas vezes ouvia os sons da noite: grilos cantando, boi mugindo, coruja piando… apertava os olhos buscando dormir logo porque se a “Rasga Mortalha” cantasse… ah, uma pessoa iria morrer na casa e eu, não queria ser testemunha de tão grande dor.

Nesse tempo eu tinha uns 10

anos e um mundo de imaginação a me dominar.

Nesse tempo, o medo era dos monstros imaginários…

Nesse tempo, da vida adulta eu nada sabia!

Nesse tempo, eu só queria ser criança.

“Cuidado com a Cuca que a Cuca te pega.

Te pega daqui e pega de lá …”