Me pertencer

Um tempo atrás li um texto de Clarice Lispector que, não importa quanto tempo passe, não sai da minha cabeça. Seu título já sugere a profundidade da reflexão, com um verdadeiro empurrão de queda livre no penhasco da minha alma: Pertencer.

Pertencer, por definição, é: fazer parte de, caber. Entende o porquê me chamou a atenção?

Por anos tentei fazer parte. Pertencer a amigos, a família, a escola, a religião, a faculdade, a empregos. Passei a vida toda tentando Pertencer. Me diminuí para caber em vários desses lugares, e em vão. Eu não me encaixava.

Por muito tempo achei que fosse culpa minha, que eu estava errando de alguma forma, ou que me faltava alguma competência. Será que eu estava me esquecendo de algo? Me perguntava com frequência.

Como numa avaliação de redação onde o professor tira um ponto a cada vírgula esquecida. Não importava o esforço que eu fizesse, não atingia o ponto máximo. Ficava sempre ali, no regular. Nem Excelente, nem Insatisfatório.

Porém, por mais que eu me culpasse, eu ponderava no meu íntimo com o contra-argumento de que poderia ser útil para algo ou alguém, em algum momento da vida. Talvez racionalizando minha existência.

Vai ver é até por isso que eu me interesso tanto por temas assim, como a letra da música de uma cantora querida - estou em milhares de cacos / eu estou ao meio - e que conversa com meu íntimo de uma forma avassaladora. Sempre me senti ao meio.

Clarice se sentia assim também, dizia que tinha nascido de graça. E que finalidade teria essa vida sem a alegria do pertencimento? Será que o pertencer diz mais a respeito de mim ou do outro?

As vezes me pego no desejo egoísta de me fazer necessária para assim, então, pertencer. Ficando nesse enfermo jogo de dar e receber.

Mas o fato é: todos nós sentimos o desejo de pertencer, e esse desejo nos toma um tempo absurdo na vida. Por que, por vezes, fazemos coisas fomente em função de se tornar apto para tal honraria.

Percebi essa angústia no texto de Clarice e compartilho dos sentimentos dela. Senti, algumas vezes, que talvez eu pertencesse pelo menos a ela, e ela a mim, visto dividirmos emoções tão similares.

Deixamos de lado quem somos, o que gostamos, e o quê ou como queremos somente para não perder pontos na avaliação do pertencimento.

Caber se tornou um objetivo de vida de muitos. Quem teve sucesso nessa empreitada e permaneceu com um certo nível de saúde mental, se saiu super bem. É feliz e cultiva bons sentimentos.

Para os que não conseguiram, resta-nos a frustração de não sermos bons o suficiente para caber.

Até começamos a fazer terapia em busca de uma resposta sobre como se tornar alguém "bom o suficiente". Mas quando chegamos lá, somos informados que não é bem assim que a banda toca.

Como assim as pessoas precisam me aceitar como eu sou, se "como eu sou" é o que, justamente, me faz ficar sempre ao meio? Como, então, funciona esse processo de pertencimento?

Fiquei atônita ao descobrir que, se o espaço não me cabe, então devo partir para outro do meu tamanho, como um sapato, que compramos no número que cabe em nosso pé, nem maior e nem menor.

Fui programada para ser maleável e deixar que outros me "usem" como bem entenderem. Mas agora a história é outra, devo me aceitar e deixar que outros me aceitem como sou!

Nesse caso, a angústia vem da possibilidade de não caber em lugar nenhum. Como se meu destino fosse não pertencer a nenhum destino. E quando digo destino, me refiro a linha de chegada.

Mas talvez pertencer não seja o único destino.

Eu sempre admirei os personagens de filmes que são desprendidos de tudo o que o mundo diz que devemos nos prender. A leveza dessas vidas, mesmo que fictícias, transpassa da tela direto pro meu peito, como se eu pudesse respirar aquele ar livre retratado ali.

Será que o pertencimento não é mais uma forma de enquadramento que alguns usam para segregar ainda mais seus semelhantes? A cada releitura que faço desse texto de Clarice, mais essa ideia se sobressai.

É possível que alguém tenha criado um tipo de pertencimento para suprir sua carência de caber em algum lugar, por não ter encontrado lugar nenhum para ficar.

E se o lugar a que pertenço não for externo, senão o meu Eu interior? Talvez eu tenha que Me pertencer, pra então ter a real relevância na vida de outros. Nessa perspectiva o fac-símile não é tão triste quanto parece.

Muito embora seja difícil de imagina e alcançar esse pertencimento interior, ainda mais depois de viver a vida inteira buscando isso nos outros! Não sei bem por onde começar esse relacionamento comigo.

Mas, se de fato for assim, as medidas para tal cabimento serão criadas e executadas por mim mesma. Logo, estarei, certamente, no comprimento, na largura, na altura e na profundidade perfeita do pertencimento.

Daniela Borges Brunaikovics
Enviado por Daniela Borges Brunaikovics em 27/11/2021
Reeditado em 29/11/2021
Código do texto: T7394919
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