Morreu, mas passa bem.

Subtítulo: o fim da poesia.

Em noites de insônia a vontade de escrever me surge, tal qual a sede que me faz levantar em busca de algum copo d'água.

Tenho lido cada vez mais livros técnicos, tentado refletir de maneira científica sobre os pequenos dilemas diários... E em mim, o eu-cientista vem matando o eu-poeta por estrangulamento. Um ritual lento e sádico que, não raro, anda no limiar do prazer.

Penso que, qualquer um que tenha tentado escrever um poema na vida, sabe que essa tarefa é mais facil se escrevemos sobre o abstrato. Paixões recentes rendem ótimos textos, ao passo que afetos mais profundos parecem sugar em seus gestos toda a energia vital que seria vertida em palavras.

Diante dessa minha nova realidade, vou lendo meus textos antigos em busca de alguma inspiração, e percebo o curioso fato de eles são divididos em três categorias.

A primeira, me parece que são poemas que servem como uma fotografia do exagero. Poemas frutos de emoções fortes e fugazes. Talvez,emoções cuja única função no mundo tenha sido virar poesia.

Bons para rir de si mesmo. Ótimos para virarem piada nas mãos de quem saiba.

Outra categoria, são poemas que surgem tempos após o acontecimento de uma forte emoção. Talvez, esses sejam meus preferidos. Vejo meu sangue escorrendo no papel, e sinto um pouco de alegria em perceber que na violência das minhas palavras existe uma dose de amor que torna tudo mais suportável.

Por fim, a última categoria é a dos poemas sobre emoções falsas. Emoções que não foram sentidas, mas sim pensadas, imaginadas, induzidas. Um placebo.

Não que aquelas emoções não fossem sinceras, simplesmente elas foram construídas para serem daquele jeito.

A linguagem constrói a realidade, e não raro, há poemas que somente existem para simular uma emoção canastrona.

Na ânsia de viver algo especial, o poeta transforma ordinário em espetacular, coloca adornos na mediocridade, faz enxertos em vazios impreenchiveis. Faz parte da estratégia do poeta criar a arte para suportar o peso do seu vazio.

Assim como um general que sacrifica metade de seus homens em nome da contemplação de sua estratégia, há poemas só servem para que alguém sofra em nome de um sentimento que começa e termina na lágrima.

Se é pra ser assim, que o poeta morra... ou me mate.

Trebe de Maria
Enviado por Trebe de Maria em 27/11/2021
Reeditado em 30/11/2021
Código do texto: T7395265
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