Beleza Oculta

É preciso falar sobre a beleza, pois ela tem muitas formas e é difícil de todas elas se dar conta.

Há belezas que se apregoam com vistoso portento. Elas brilham e são vistas. Retumbam e são ouvidas. Odoram e são cheiradas. Temperam e são degustadas. Materializam-se e são tocadas. Tudo de forma inegável! Outro tipo de beleza é mais difícil de ser percebido, demandando muito tempo e estudo para isso. São tímidas estas belezas, gostam de se revelar sob empenho.

Mas eu quero mesmo falar é de outro tipo de beleza. É fugidia, subjetiva, não habita no mundo! Esta beleza oculta precisa ser atraída e capturada, e é por isso mesmo que são mais deliciosas.

O céu é um palco de cores fluidas e mágicos movimentos alumiantes. Por isso mesmo, é uma beleza óbvia! Beleza outra é mais sutil. Algumas pessoas se deitam na relva e ficam observando as nuvens, o firmamento ou as estrelas. São felizardos. Podem ouvir do mundo sua sinfonia. A alma desta gente contempla – isto é mais que existir – e a beleza gosta disso. É preciso delicadeza para contemplar, e é preciso contemplar para fazer tempo e ocasião de se deitar na grama. E é aí que se revela a sutileza de uma beleza oculta. Uma beleza que pode ser invocada em uma alma ao simples contemplar do céu. O anzol de algum pescador celeste fisga algo nas profundezas de um mar interno e lá está ela: beleza, das entranhas, engrandecedora!

O mar é amigo da beleza em suas formas mais variadas! Bruto e delicado, raso e profundo, claro e escuro, violento e dócil. Precisamos mirar o seu longínquo horizonte para supor toda sua vastidão. Mas basta parar na areia e se por a observar uma marolinha vindo adular os pés descalços. É o carinho de um gigante, agradecido pela admiração de sua pompa. Quer assim mostrar que também pode revelar em nós uma beleza interior, contemplativa!

Situações de contraste também servem para mostrar beleza. É o que acontece no trânsito parado. Você se pega a olhar a brisa agitando umas folhinhas ali num canteiro e lá está a beleza! Aquelas sonolentas folhas verdes estão ali há muito tempo, tranquilas e indiferentes a qualquer caos que as cerca, só existindo, esperando ser admiradas por alguém que esteja passando pelo presente. Pois é preciso sair do passado e do futuro para contemplar! Isso se faz no presente.

O som da chuva tranquila traz beleza do céu! A não ser que você esteja nervoso e se molhando. A beleza não gosta dos irritados. Esconde-se deles, com medo de levar uma mordida e ser contaminada pela raiva. A chuva traz uma beleza a mais, só que desta vez capturada pelo nariz. Aquele cheirinho misterioso de terra molhada – que descobri se chamar petricor – traz de nossas profundezas genéticas algo de obscuro prazer. Está aí: beleza em forma de cheiro! Feche os olhos para vê-la.

Quando estiver num campo gramado, ou num cantinho verde de seu condomínio, tire os sapatos e pise na grama. Esfregue lá os pés e sinta que a beleza entra pela sola e vai traçando caminho até a alma. E sinta-se no direito de abusar! Pode esfregar na terra e nela se deitar, faz bem.

Não é preciso muito esforço para perceber no paladar e no olfato a beleza. Mas há como adestrar as habilidades gustativas para aumentar ainda mais esta percepção. E então a pessoa passa a enxergar cores novas com a língua e nariz. Quem entende de um bom café, vinhos, cervejas ou gastronomia vê que a beleza tem níveis, é estratificada. Mas essa beleza requintada pode ser superada por uma rival simples. Uma sopa num dia frio traz o cheiro e o sabor dos remotos da infância e faz explodir as memórias. Transcende os sentidos a beleza da boa recordação! É perigoso a sopa entrar pela boca e sair pelos olhos em formato de lágrimas, o cheiro pelo nariz saindo pela pele, arrepiando os pelos.

Acontece algo semelhante com a audição: existe beleza empilhada, algumas mais acima do que outras. Apreciar parte é deixar o resto de fora, todo um mundo de maravilhas sonoras ignorado. Para admirar a vastidão é preciso ousada experiência, dedicação e estudo. Mas às vezes não se pede instrução, mas atenção – não entender, mas perceber. No corre-corre do dia, vem um passarinho e canta amarelo de algum lugar por perto. Isso é beleza, como o som azul da garoa caindo. O farfalhar de folhas à brisa sussurra melodias verdes para os ouvidos atentos. Uma alma rica consegue um belo quadro com essas tintas pintar.

Todas estas belezas sobre as quais falei foram invocadas pelas manifestações da natureza. Muitos outros exemplos são possíveis, mas não quero deixar passar este: contemplar o pezinho do nenê, admirar a pequenina mão, assombrar-se com seu sorriso. Qual a amplitude do poder assim invocado no ser humano?

E é assim que as belezas mais raras são criadas, atraídas e concretizadas neste mundo. Entre a bigorna da memória e o martelo da contemplação, o fogo do amor se faz incandescer. Amor idílico, que ninguém sabe de onde vem, mas que emerge para forjar o aço que reforça a armadura das mais poderosas almas de hoje - que amanhã mudarão o mundo.