A porta da biblioteca da escola

Feita com o mais vagabundo das ligas metálicas e pintada com um verde-musgo, a porta da biblioteca da escola nunca ficava aberta. A desculpa: o ar-condicionado — estranhamente sempre enguiçado.

Dona Jenifer, a bibliotecária, estava sempre lá, a arrumar os livros e, principalmente, os dicionários de língua estrangeira que, constantemente, teimavam em sair do lugar. "Qualquer dia desses, eu ainda pego um desses professores para ficar no meu lugar", ela sempre resmungava para si.

Às vezes, e principalmente em época de eleição, a porta da biblioteca abria-se para alguém senão um professor atrás de um livro ou um aluno — fugindo de alguma aula chata. Normalmente, nessas ocasiões, ela escancarava-se para algum provável secretário de educação — que nunca mais voltaria a vê-la.

Graças a dona Jenifer, a porta não guardava nada além de livros e algumas revistas velhas. Se fosse pelo diretor, a biblioteca transformar-se-ia num depósito — já que, para ele, como ninguém realmente "usava a biblioteca", por que não a transformar em um cômodo mais útil?

A ideia do diretor quase virou realidade após um incidente: certo dia, ao chegar à escola, o inspetor encontrou a porta da biblioteca arrombada — amassada, para ser mais exato, como se fosse uma folha de papel. Ao entrar, encontrou tudo revirado: tanto os livros quanto os dicionários que davam trabalho a dona Jenifer, estavam ao chão ou estragados ou amassados.

— Eu te disse para transformarmos aquela biblioteca num depósito, não disse? — Comentou o diretor para dona Jenifer.

— Aquilo é uma biblioteca e não um depósito! Mil vezes eu te pedi para colocar grades na porcaria daquela porta e mil vezes você disse "não haver verbas", mesmo conseguindo arrumar a quadra; colocar ar-condicionado na sala dos professores... — Respondeu a mulher.

Como a notícia da porta da biblioteca da escola espalhou-se, o diretor foi obrigado a consertá-la e o Estado a comprar mais livros e dicionários. Como era dona Jenifer a bibliotecária, o diretor deixou bem claro ser dela, também, a responsabilidade de desencaixotar e arrumar tudo.

Com o peso da idade nas costas, dona Jenifer fez o seu melhor e arrumou tudo. Ao chegar sua aposentadoria, houve uma festa em sua homenagem e, pela primeira vez, a porta da biblioteca ficou aberta para alguém mais: aqueles que vieram homenageá-la.

Após a festividade e antes de outra pessoa tomar o lugar de dona Jenifer, o diretor correu para pregar uma placa à porta da biblioteca: "Depósito". Desde então, a porta verde-musgo não mais era a "porta da biblioteca da escola", mas mais uma porta de "depósito".