"A ORAÇÃO DOS ANIMAIS"

Então me sentei, me acomodei, ele ajeitou as costas na cadeira, na posição ereta, mas sentado. O silêncio noturno preenchia o ar inalado; expirações longas e inspirações profundas. Respirar silencioso. As mãos espalmadas na altura do peito, a frente da estátua sagrada. Rodopiava em movimentos lentos o aroma que subia do incenso, tingido de uma transparência quase invisível. Durante alguns minutos os pensamentos e as emoções se conectaram. Um desejo de estar além do tempo e do espaço. Só restava um sentimento: o de estar completo. O momento presente tinha se dissolvido. Por alguns instantes talvez toda a massa do meu corpo ficou etérea. A gravidade e suas forças deram uma trégua momentânea. Os sons da agitação noturna não distraiam mais, ecoavam longínquos, eram apenas ruídos mundanos. Enquanto você sempre fora meu mundo, naquela hora e por alguns minutos não contados, o mundo se desfez e éramos, você e eu, um só ser. A comunhão perfeita de nossas almas. Revelamos o que sempre fomos ao longo de toda nossa vida, ao longo das outras vidas passadas. As lembranças de outras eras ressurgiram e as nossas memórias se fundiram. Éramos o que sempre fomos, uma única vida apenas. Éramos dois seres, mas sempre fomos só uma alma. Apesar das minhas limitações, eu sentia o vento divino soprar em mim enquanto você cantava as suas orações. Eu sentia certa paz e o amor infinito. Nesta vida em que caminho obstinado ao seu lado, não como você com duas pernas, habitando um corpo não humano, eu sinto todas as vezes quando você O clama, sua fé respinga em mim, como gotas de um sacro elixir. Sua fé também me vivifica.

O que dizem sobre a minha alma ignoro porque minha missão nesta vida, com esta forma, não é a de construir conhecimento por meios racionais. Enquanto animal irracional (como supõe o senso comum) tenho a missão de amar, receber e conceder amor. Não articulo frases, porém as sinto intensamente. Eu senti também todo o seu amor preenchendo aquele espaço em que nos sentamos, você na cadeira, orando e clamando, eu acomodado em seu colo, ouvindo, farejando o seu amor e lambendo suas lágrimas de gratidão. Sei que não podia ouvir meus pensamentos, mas você os lia pelos meus olhos e por eles sabia que eu agradecia. Agradecia no momento em que orava por sua companhia, por sua ternura. Não sei rezar como você, sei apenas uivar e sentir e sinto todos os dias, desde o nosso primeiro encontro, o nosso amor sacramentado.