Fugindo da CAIXA de FÓSFOROS

Existe uma expressão antiga que (de forma bem-humorada) rotula pessoas impacientes como sendo iguais aos palitos de fósforos.

É como se cada pessoa (dessas) esquentasse tanto a cabeça por qualquer coisa ao ponto de estar prestes a pegar fogo pela extremidade superior, como uma chama de palito de fósforo quando é riscado.

Essa é a saga de Zuca, que escapou de conviver com pessoas assim.

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Capítulo I ----------- Amava muito os pais, mas fugiu cedo de casa quando viu que “os velhos” se envolviam em brigas com antigos amigos por causa de opiniões políticas. Um AVC era uma coisa já esperada a qualquer momento. Porém, Zuca achava que não valia a pena perder amigos por causa de um tipo de profissão cujos representantes fingem uma briga de décadas e depois de eleitos se unem afirmando que é para o bem do povo e salvação da Humanidade. E Zuca resolveu morar sozinho, apesar de continuar amando seus pais — e inclusive continuou até mesmo depois de chegar a notícia de que o AVC havia visitado rapidamente o seu antigo lar quando um dos pais mudou de lado político e teve início uma briga entre eles próprios (pai e mãe).

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Capítulo II ----------- Amava muito a namorada, até aceitando a exigência dela de que tivessem um casamento religioso após haverem tido um relacionamento não muito convencional durante alguns anos. Porém, Zuca teve dificuldade de chegar à cerimônia do casório na igreja porque o carro enguiçou e, quando finalmente chegou, a noiva já estava esperando fazia mais de 60 minutos e o padre já não aguentava as ameaças dela que com palavrões descrevia um cenário horrível para o sacerdote se ele ousasse dar a vez a um outro casal compromissado para ser o próximo a receber a bênção da união. Zuca nunca entrou naquela igreja e nunca mais deu notícias, pois se lembrou de que o tal AVC também ocorre com jovens.

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Capítulo III ----------- Amava muito a ideia de fazer uma boa faculdade, mas no primeiro semestre de Sociologia notou que havia um tratamento melhor para alguns alunos que aceitassem servir de papagaios para um professor militante político que não permitia que alguém pensasse diferente de sua ideologia e até já se sabia que esse mestre havia tido um AVC após uma discussão com outro professor que não pensava politicamente igual. Zuca lembrou-se do motivo de haver deixado a casa dos pais e trancou a matrícula para nunca mais voltar a fazer aquele tipo de curso, preferindo continuar a ser um mecânico de automóveis porque aquele mesmo seu carro que havia enguiçado (antes da cerimônia de casamento) jamais decepcionaria seu dono ao ponto de querer determinar a direção que ele deveria seguir (e porque também o conserto de carro é um bom exercício para a mente... capaz até de ajudar a evitar um AVC, já que é um bom e divertido passatempo).

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Capítulo IV (final) ----------- Amava muito a ideia de ter mais um outro tipo de atividade divertida para fazer além da profissão de mecânico, algo que fosse apenas um lazer. E descobriu o artesanato recreativo. Hoje em dia, já na meia idade da vida, Zuca tem uma pequena oficina caseira na qual podem ser encontrados diversos objetos artesanais de decoração (barquinhos, casinhas, carrinhos no estilo de automóvel, etc.), todos feitos com cola, cordão e (principalmente) ... PALITOS DE FÓSFORO. Ele afirma que aquilo o ajuda a se lembrar de que não deve esquentar a cabeça por coisas que não valem a pena, evitando assim um AVC desses que pegam de (mal jeito) o sujeito. Uma mulher também de meia idade tem se interessado por Zuca e parece que vai rolar um clima, pois ela é praticante de uma técnica de relaxamento baseada no zen-budismo. Ela é moradora de uma propriedade rural desde que nasceu, fala meio caipira, e a mais recente mensagem dela foi:

— Vou aí... ah! Vê-ocê!

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Da série: “FIAT LUX” (tradução do latim: “faça-se luz”, ou: “haja luz”)