INSPIRAÇÃO PARA CORRER (parte 1)

INSPIRAÇÃO PARA CORRER (parte 1)

Leandro Severo

Nada nesse mundo seria tão eficiente para me tirar da minha zona de conforto do que um compromisso ansiosamente aguardado: meu casamento.

Depois de anos de namoro fiel e casto o grande dia se aproxima e, com ele, o enlace eterno entre mim e minha amada nesta passageira vida.

Embora a união seja algo que se dará no cotidiano íntimo do casal, a cerimônia terá muitos convidados e eu e minha noiva estaremos sob a mira de olhares amáveis e perscrutadores em nossa festa.

Para isso, a estética tem que estar impecável. A decoração do salão, música, salgados, refrigerante, mais salgados, tapete de vidro, mesas enfeitadas, assentos confortáveis, os padrinhos, os pais e o principal: os noivos.

Bom... do lado da minha companheira está tudo perfeito. Sua beleza ímpar faria inveja a qualquer musa de Alvares de Azevedo, Camilo Castelo Branco ou romântico que se preze em discorrer sobre as formosuras da amada. Minha noiva é LINDA! Aos que já leram alguma coisa minha perceberam os fatores extralinguísticos espalhados quando descrevo alguma mulher. O buraquinho no queixo, os cabelos que formam um perfeito véu negro, os olhos penetrantes como a noite, o sorriso encantador, as covinhas das bochechas, as mãos delicadas com dedinhos fininhos e pele fofa para morder, o corpo simétrico à uma escultura grega, o tom de voz musical... tudo. Aliado a tudo isso, o modo com que detalhou seu vestido de noiva me faz suspirar e perder o sono sempre que imagino.

O problema não é ela, sou eu.

Sedentário, barba e bigodes toscos, peidorreiro, dentes apinhados, sorriso amarelo como uma lona de feira, cabelo feito tufos de bombril, ando feito um pato, sorrio como um macaco, rio igual a uma hiena... tudo. Aliado a tudo isso, nesse final de ano, eu que estava conseguindo emagrecer um pouco, com determinação, um garfo, uma faca e muitos copos de Coca-Cola, consegui achar todos os quilos que perdi com doses extras de gordura.

Pelo menos o elixir do amor inebria os corações e cega o amante para os defeitos do amado até o décimo segundo dia juntos. Entretanto, viver é um desafio, e um desafio desafiadoramente desafiador ergueu-se diante de mim qual Golias contra Davi: era preciso caber no terno do casamento.

Era preciso caber no terno. Era preciso caber. Ainda é.

Para que não haja dúvidas de minha dificuldade, já fui vítima de TREMI: Terno Rasgado Em Momento Inoportuno. Conhecendo o temperamento de minha amada, fazê-la passar por um vexame desse no dia mais importante de nossas vidas é pedir divórcio antes de beijar a noiva. Além do mais, não quero casar parecendo uma costela gaúcha embalada a vácuo.

Por esta causa, como disse o apóstolo Paulo, me ponho de joelhos. No caso, também me dispus a reduzir pães e açúcares e comecei a fazer algumas caminhadas para acelerar meu metabolismo na intenção de, saudavelmente, remover o excesso de “eu” que havia em mim.

Esta crônica se divide em duas. A primeira é apenas apresentando o motivo, como um prólogo, “pra logo” partir para a exposição escrita de uma (nem tanto) adorável experiência em busca do corpo ideal para caber num blazer onde eu consiga, pelo menos, me mover e numa calça tamanho 48 sem que minhas nádegas fiquem como um pão sovado amassado.

Continua...

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 06/01/2022
Reeditado em 06/01/2022
Código do texto: T7423299
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