Bolhas de Sabão

Crianças são bolhas de sabão.

Sabão não tem brio poético e bolha não traz lá muita beleza. Mas bolha de sabão é outra coisa.

Bolhas de sabão não são adequadas em campos de guerra, pois são arautos de paz e tranquilidade. E são signos de felicidade. São soltas nos parques, em dias em que a tinta do sol se deixa enamorar pelas superfícies curvas de sabão. Combinam com rostos risonhos, picolé colorido e grama verdinha.

São prismas que transformam em fantasia a realidade que se vislumbra através delas. São expressões do dinamismo da existência e também de sua efemeridade. Seus formatos são bruxuleantes, pois mantêm flerte com as forças mais suaves da natureza. Suas cores sucedem-se no tempo e mesclam-se na superfície curvilínea, zombando do quadro monocromático e geometrizado dos adultos. Sua relação com a gravidade é uma leve brincadeira, menos disputa e mais cooperação.

Seu voo é livre, seguindo caminhos definidos pelo invisível, pois não tem objetivos a não ser existir. E lento, não tem pressa uma bolha de sabão por não saber que é tão passageira! Bolha de sabão não se preocupa: é só ela, aqui e agora, toda ela beleza e magia. Nasce de um sopro, como o sopro divino, ganha suas propriedades miraculosas e põe-se a viajar. Mas não aceita muito bem o toque! Não se pode ambicionar conformar o formato de uma bolha de sabão sem cuidados especiais. Basta um pequeno deslize e o sopro de vida perde seu invólucro e escapa, retornando ao Todo. Assim termina a bolha! O sabão continua a existir, caindo em terra, formando um pouco de barro ensaboado. Então não adianta tentar soprar novamente este material.

Às vezes me indago se o Criador, por acaso, não soprara primeiro as bolhas de sabão e nos fizera crianças. A serpente, irreverente, poderia ter tentado remodelar as bolhinhas esvoaçantes e as teria estourado, encharcando o solo, resultando numa espécie de argila. Deus, crivado de amargura, remediara a situação assoprando sobre a argila – pois Ele sim poderia fazer isso, não nós. Da argila assoprada brotaria o adulto. Deus não gostou muito do adulto e saiu pra comprar mais sabão. Retornando do mercado, entretanto, pensou que não seria uma boa ideia criar duas raças tão distintas entre sim: uma de água com sabão e outra de barro. Então usou de sua inteligência e bondade. Ensinou o ser humano adulto, feito de barro, a criar ele mesmo suas próprias bolhas de sabão. E advertiu-o:

“Cuidado ao tentar moldar a forma natural destas maravilhas!

São de natureza sensível e poderás perde-las para sempre!

São curvadas, mas tentarás dar-lhes ângulos.

São pássaros com asas de liberdade, mas tentarás prendê-los em gaiolas.

São páginas em branco, mas tentarás preenchê-las vós mesmos.

São diamantes brutos, mas tentarás laminá-los em espelhos para que vejas neles sua própria face.

São mata cerrada, mas tentarás desbravar nela suas próprias trilhas.

São estrelas, mas acabarás por torná-las em lanternas.

São inocentes, mas acabarás por incutir-lhes suas próprias culpas.

São imaculadas, mas acabarás por injetar-lhes seus próprios erros.

Cuidado, homem de barro! Basta pouco para que sua bolha de sabão se torne noutro homem de barro!"

Então, Deus poderia ter lavado suas mãos e ido dormir. Às vezes me indago...

Mas eu sou um otimista! Acredito em bolhas de sabão adultas! Às vezes passo por uma sem querer, olho através e vejo paisagens coloridas de um mundo alegre. Algumas vezes eu mesmo sou uma, voando leve por entre as galhas da árvore da vida, sem deixar que me toquem, para não estourar.

Por um mundo com mais bolhas de sabão!