Desmistificar o amor: quebrando um tabu

Desmistificar o amor: quebrando um tabu

Por conta de algo que disse a alguém querido outro dia comecei a pensar no quão e difícil à minha volta ouvir a palavra amor. E se os casos entre amigos e parentes elevam a média ela é preocupante nos casos de relacionamentos. Ou se diz que se ama alguém de forma profunda ou esse “te amo” é banalizado, praticamente um cumprimento de despedida. Há um certo temor em dizer “eu te amo” para a outra pessoa, justamente por isso carregar um peso muito grande, como se fosse um ápice que para chegar lá em cima precisa-se escalar o maior dos maiores montes.

Conversando com uma pessoa, que dizia amar o namorado que a pouco conhecera, fiquei muito intrigado com essa exaltação e à primeira vista isso me incomodou. Coisa que ao longo da conversa eu fui calmamente destrinchando. Pelo final do diálogo, ela percebia que não sabia o que era o amor. Ela disse que o amor era carinho, generosidade, afeto, dedicação, atenção, correspondência e mais umas tantas qualidades e terminou com chave de ouro dizendo que era paixão também. Ou estou muito enganado, ou ela está completamente equivocada.

O amor não é uma soma inumerável de elementos que todos juntos e simultaneamente o constituem. Pelo menos não a meu olhar. E se pr’algumas pessoas isso parece inútil e infrutífero discutir, somente o faço, pois assim conseguimos ter uma noção melhor desse processo interno que em nós confunde e ao mesmo tempo amedronta. Já que a maioria das pessoas nunca pára para pensar sobre o que se passa conosco.

Ter uma noção, uma definição é essencial para inserir o definido em uma prática em nossas vidas. Acontece que o amor, e alguns outros sentimentos, não tem definição que seja contundente. Vemos no dicionário o verbete amor, por exemplo: “amor (do Lat. amore) - s. m., viva afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos; inclinação da alma e do coração; objecto da nossa afeição; paixão; afecto; inclinação exclusiva”, ou ainda em outro dicionário “amor - s.m. Afeição viva por alguém ou por alguma coisa: o amor a Deus, ao próximo, à pátria, à liberdade. / Sentimento apaixonado por pessoa do outro sexo: as mulheres inspiram amor. / Inclinação ditada pelas leis da natureza: amor materno, filial. / Paixão, gosto vivo por alguma coisa: amor das artes. / Pessoa amada: coragem, meu amor! / Zelo, dedicação: trabalhar com amor. // Amor platônico, amor isento de desejo sexual. // Por amor de, por causa de. // Pelo amor de Deus, expressão que dá ênfase a um pedido: não faça isso, pelo amor de Deus!”

Como podemos ver o dicionário não é de muita utilidade para conseguirmos definir o que é o amor. Ele cai no mesmo erro que minha amiga caiu, ele tenta explicar um sentimento abstrato, partindo de outros sentimentos abstratos como se uma afeição à alguém ou coisa, não fosse simplesmente uma afeição, quando é que vira amor? Ou qualquer afeição é amor? Ou qualquer paixão é amor? Qualquer inclinação é amor? Amor, nesse caso carece de uma definição, ou pelo menos, se não, de uma separação.

Cabe, pelo bom senso, notarmos que em nosso dia a dia as pessoas utilizam-se do amor para falar realmente qualquer desses outros sentimentos. Quando apaixona-se por alguém, logo fala-se “eu te amo”, quando afeiçoa-se por alguém logo diz-se “eu te amo”, ou quando se necessita de alguém em uma incrível carência diz-se que “se ama”. Sobre essa banalização que me ponho contra, principalmente por relegar o verdadeiro amor a essa superficialidade tosca.

Se até aqui o leitor concorda minimamente comigo, vamos esclarecendo que paixão, afeto, inclinação, generosidade, carinho e demais sentimentos todos tem o seu devido lugar como eles mesmos e o seu conjunto não é o que forma o amor. Arrisco a dizer que amor não é muito um sentimento, é mais uma prática. Amor é na prática amar as pessoas, as coisas, a vida. E sim, o que seria na prática amar as pessoas, as coisas, a vida?

Amar é um ato voluntário, fraco e grandioso de aceitar as pessoas como elas são, sem que com isso, sem que elas mesmas se sintam menores, diferentes ou excluídas. Assim como um ato voluntário de aceitação da vida, logo das coisas. Quem ama a vida, vive nela, não passivamente como se pode pensar ao ler “aceitar as coisas como elas são”, mas vive amando a vida, aceitando tanto o lado bom quanto o ruim, aceitando todas as coisas, pois elas são necessárias, e só são necessárias porque existem. Amar é viver a vida de forma viva. Amar não é um merecimento de alguns, é uma prática que se expande. Nosso amor não se reduz aos próximos, aos familiares ou aos amantes, mas somos capazes de expandi-lo e se ele é uma prática, só se aprende a amar amando. Só se aprender amar, praticando o amor. Assim como quando pequenos somos instruídos a sermos educados, e nos adestramos para isso, depois essa educação vai livremente dar lugar a uma aceitação que a educação não é um fardo, mas sim uma forma mais sutil e elevada de nos tratarmos. Assim o amor não surge espontaneamente não é natural e instintivo, é uma prática que deve-se praticar a fim de aperfeiçoar. Amar é algo fraco e por isso mesmo sucumbe facilmente aos sentimentos mais fortes que temos, a paixão é forte, ela se sobrepõe a tudo, ela toma o local do pensamento, do amor, da conversa e grita ao mundo “eu sou a paixão”, o amor é mais cauteloso, mais humilde, mais tranqüilo. Amar é agir em prol da vida, viver a vida de forma viva. Todo contrário disso, toda a forma de fazer a vida parar, toda forma de força contra a fluidez da vida, é o contrário do amor. Toda vez que há uma afeição, uma inclinação, uma paixão por algo ou alguém, praticamente dizemos “essa coisa eu adoro, essa coisa é para mim a melhor fonte de felicidade, se eu pudesse pararia o tempo para ficar eternamente com ela”, o amor não é paralisante, o amor é aceitação, as coisas estão comigo, preservo elas ao máximo, pois sei que nada é eterno e assim, amar é cuidar e aceitar e lutar a favor da vida, mesmo que ela no fim morra.

leandroDiniz

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 18/11/2007
Reeditado em 28/01/2008
Código do texto: T742602
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