CENAS DO RIO

CENAS NADA ROMÂNTICAS DO RIO ANTIGO

Nelson Marzullo Tangerini

Um certo mocinho desonesto, que circulava com habilidade no meio musical, declamou para Getúlio Vargas, naquele célebre discurso do ditador, no campo do Vasco da Gama, um soneto de Nestor Tangerini, como sendo de sua autoria.

Tangerini, um severo crítico do governo Vargas, não teve o desprazer de ouvir o “pai dos ricos” nem o famoso compositor de marchinhas recitando seu soneto, Cenas do Rio, mas o pronunciamento, dirigido à nação, em cadeia nacional, pelo rádio, foi ouvido por seu amigo fiel, o compositor Antônio Guimarães Cabral, mais conhecido como Aldo Cabral, que foi até a casa do poeta, creio que em Olaria, para lhe dar a triste notícia.

Mais tarde, quando Tangerini encontrou-se, por acaso, com o gaiato, numa rua do centro do Rio, o poeta “imprensou-o contra a parede” e lhe disse “na lata”:

“- Compositor, aquele soneto que você declamou para Getúlio não é seu, é meu”.

Mas o cínico e debochado cidadão simplesmente sorriu, nada disse, e continuou andando serelepe, desaparecendo no meio da multidão da Cidade Maravilhosa.

“Cenas do Rio”, tantas vezes apresentado por mim em outras crônicas – e publicado no livro “Humoradas”, Editora Autografia, Rio de Janeiro, RJ, 2016 -, foi o primeiro trabalho de Nestor Tangerini publicado “em letra de forma”, como o literato escreveu em seus manuscritos. Foi publicado pelo Acadêmico Humberto de Campos, seu amigo, na revista A Maçã, em 15 de junho de 1922, cinco meses após o “boom” do Movimento Modernista.

Só vim a saber desse episódio depois que uma professora minha, de língua portuguesa, do ginásio em que estudava, em Piedade, D. Ivete, anunciou garbosamente, em sala de aula, que conhecera o tal compositor de marchinhas. E que ele havia escrito um soneto especialmente para ela.

Chegando a casa, contei o episódio a minha mãe, pois sabia que meu pai havia escrito uma poesia que falava de uma tal de D. Ivete. É bom explicar, aqui, que, na época, ainda não tinha noção alguma sobre o que meu pai havia deixado. Não tinha conhecimento algum, inclusive, como era a composição de um soneto. Minha mãe, porém, sutil, sabendo que se tratava do mesmo falsário, me pediu que eu oferecesse à tal professora o referido soneto “Cenas do Rio”, que fala de uma tal de D. Ivete, casada, moradora da Rua São Vicente, 37, no Leme, que diz, depois de uma paquera bem elaborada, que o moço pode deixá-la em casa.

Ao ler o texto poético em questão, a professora ficou estarrecida, uma vez que se tratava do mesmo soneto. D. Ivete ainda me perguntou se eu tinha certeza de que meu pai era mesmo o autor do soneto, e eu lhe disse que sim.

Em casa, minha mãe me contou, depois, sobre a declamação do falso poeta, no campo do Vasco da Gama.

Episódios como estes muitas vezes aconteceram. Muitas vezes Nestor Tangerini foi plagiado por inúmeros humoristas, em programas de humor, na televisão. Algumas vezes, Dinah Marzullo Tangerini, sua esposa, conseguiu receber os direitos autorais do marido, através da SBAT, Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, entidade a qual Tangerini era filiado; outras vezes, não. “Morreu a onça, o mato é nosso”, dizia Dinah, de troça.

Ex atriz de teatro, ela sabia onde pisava. E ela mesma me contou vários episódios de plágio que ficaram famosos, na época, e que caíram no esquecimento. Como não envolvem os trabalhos de Nestor Tangerini, deixo para os pósteros, futuros pesquisadores da história do teatro ou da música, o trabalho de desvendarem esses ataques a obras alheias.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 13/01/2022
Código do texto: T7428930
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