Hiatos

O tempo matura, faz a cura das coisas. Como se faz com a picanha e com certos queijos. Cura também feridas.

O tempo envelhece as coisas. Como o faz também aos vinhos.

O tempo é feito de hiatos. Alguns, mais longos que outros, podem ter um amargor denso e um toque de aspereza. Outros são tão curtos que é comum passarem despercebidos e emendarem-se ao próximo intervalo, como se o tempo fosse um contínuo de vazios ou de acontecimentos. Essas situações podem não ser saudáveis. Hiatos são intervalos entre atividades e isso é a vida, mas os intervalos não são ervas daninhas a serem arrancadas. Pelo contrário.

O tempo se assemelha a uma rede de pesca. Sem os vazios não teria serventia na captura dos peixes. Sem os fios, semelhantemente, não existiria a rede. Dependem do tamanho dos vazados da rede os peixes que serão capturados. Peixes grandes demais ficam retidos na existência e peixes menores passam por ela. O pescado diário é tudo aquilo que existe no dia a dia. Pescar com sabedoria é viver melhor, é aumentar a qualidade da pesca. Para isso, precisamos tecer com consciência nossa rede, dimensionando bem os fios e o espaçamento temporal entre eles.

A utilidade desta metáfora reside na otimização da rede para cada circunstância. A vida precisa de “espaços vazios” de diversos tamanhos para ser salutar com nossa psique. Às vezes precisamos dar um tempo grande em algum assunto. Um final de semana sem pensar num certo problema, três dias sem trabalhar em determinado projeto, uma semana sem conversar com tal pessoa. Assim, peixes pequenos – que antes caiam cansativamente em nossa rede – podem passar direto e ir embora. Ao verificar a pesca, nos assustamos ao ver que é diferente daquela que estávamos acostumados. Os peixes grandes continuam lá, mas é a ausência dos incontáveis peixes pequenos que nos chama a atenção. Estávamos tão familiarizados com os pequenos que achávamos que não existia pesca sem eles. A importância aqui está no que se deixa ir com este tipo de hiato, não nos peixes grandes.

Há pouco tempo ouvi numa coluna de rádio uma reflexão sobre pequenos problemas. O narrador dizia que são os pequenos aborrecimentos que acabam por nos saturar, pois acontecem sem que seja dada a devida atenção a eles. Em problemas grandes nós trabalhamos, focamos e dedicamos nossa energia. Mas os pequenos muitas vezes são negligenciados pela consciência e vão se acumulando na rede. Quando olhamos a pesca nos damos conta da quantidade de peixes pequenos ali presentes, além dos grandes, e ficamos de saco cheio sem saber exatamente o porquê - pois é a quantidade que vemos, não a cada peixe pequeno de forma isolada, e sentimos essa massa de aborrecimentos em sua totalidade.

Por isso é preciso ser capaz de destacar ausências em situações de muitas presenças. Pra isso, faz-se uso do contraste oferecido pela mudança no tipo da rede de pesca. Usando uma rede com espaços maiores do que o usual, podemos notar a ausência dos peixes pequenos que antes estavam na pesca diariamente. E aí somos capazes de decidir se eles são bons ou ruins. Dando mais tempo do que o de costume a coisas cotidianas e meditando sobre as mudanças que isso nos traz podemos reparar nas ausências. Ausência de pequenos aborrecimentos, cobranças ordinárias, compromissos cotidianos e pesos leves que, de tão comuns, não nos eram percebidos individualmente. E então nos tornamos mais aptos ao autoconhecimento e mais próximos de uma melhoria de vida.

Pará de Minas, MG

Tarde ensolarada de verão