A paulistinha e o sertanejo apaixonado

Existe um causo do sertão em minha infância perdida. Lá bem longe na minha imaginação o sertão de Aiuaba na região dos Inhamuns era o recanto querido, das memórias fraternas, tal qual um sonho distante vejo-me sacolejando no transporte chamado misto, metade ônibus e metade caminhão, a viagem era longa e eu, criança, ansiava pelo rio, a casa, o quintal, a casa da avó, as ferramentas de trabalho dos homens que eu admirava, a enxada, a chibanca, a a sela, o cabrito, caatinga e os seus sons abafados e por vezes estridentes. No vilarejo, a capela de Santa Luzia em 13 de dezembro fora batizado o último filho de Zé de Freitas e Dona Maria. A santa protetora dos olhos viu todas as minhas estradas, toda caminhada, até a capotada vislumbrou estando ciente do que era amor e do que era dor...

Tantas histórias, algumas até viraram anedotas, na criatividade torta dos que ali partilhavam suas lutas, seus teréns, suas queixas e seus roçados. Certa feita em um dia de festa, que no sítio é um dia de reza, avistei curiosa cena entre a paulistinha e o sertanejo apaixonado

A moça bonita no terreiro de seu Marcelino, moça fina, estudada, garbosa, moça de família que tinha tradição, tão diferente daquela condição do humilde sertanejo que se apaixonara por seus encantos, sua fala difícil e sua pele que desconhecia o sol. Ele, um pobre desvalido da sorte, vaqueiro rude da lida diária, do sertão já vira a fome de perto e perdera ainda criança irmãos, a voz rouca embargada de vergonha e emoção e, na cabeça, a esperança de entregar o coração. Trêmulo, declarava o seu amor e seu desgosto. Tal qual Dassanta de Elomar, a moça era linda e fresca como a alvorada e nem sequer para ele olhara e de tal sorte a musa do sertão arrancava suspiros em grande aflição. Apaixonado e disposto a morrer estava a fim de declarar a sua amada a emoção que carregava no peito estufado e em sua alma ingênua que era da caatinga daquela terra, do pó do chão.

Eis que sai à porta o primo da tal donzela e questiona ao tal sujeito:

– Quero ver se o amor é forte mesmo... e já que está disposto a morrer, lá vai, valentão!

E aponta para o peito do rapaz uma arma feita com a mão e simula um disparo. O sertanejo embriagado, coloca a mão no peito e cai de corpo inteiro, esparramado no chão. Os homens se divertem... gargalhadas, palmas e risos no tempo e seus castigos. Aquilo que era grito virou recordação... da calçada do seo Marcelino restou só o torrão. O tempo passa, a gente cresce e continua sem compreender os desatinos do coração.

Dedicado a Francisco de Freitas Leite minha inspiração.

Thércia Lucena Grangeiro Maranhão
Enviado por Thércia Lucena Grangeiro Maranhão em 17/01/2022
Reeditado em 21/11/2022
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