Lendo Carla Madeira

“Diga aí um livro bom pr’eu ler”. Já ouviu algo parecido, seja com livro, filme, playlist, ou até sugestão de cidade para viajar? Tem sempre alguém com os Titãs na cabeça, martelando “só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder”. Você dá a “sua” boa indicação e aí vem a bomba: “aquilo que é livro bom, pra você?” “Que filme foi esse que você viu e gostou que eu não vi graça?” Tudo porque essas sugestões são baseadas no gosto pessoal e este depende de tantas engrenagens, que só a pessoa mesmo pra explicar essa predileção. Algumas pistas podem ajudar no “tiro certo” quando a indicação é livresca. Conta uma boa história? Tem surpresas (ganchos) encadeadas? Dá pra mergulhar, se divertir, chorar, sonhar? Não vê a hora de ler o próximo livro do autor? Se a resposta é sim a essas perguntas, pode crer que tem (quase) tudo para ser uma indicação de sucesso.

A razão do preâmbulo. Li, no início do ano passado, no clube Livros da Frederica, Tudo é Rio, de Carla Madeira. Sabe dessas histórias que pegam você de jeito e que não se consegue parar de ler, até chegar ao seu desfecho? Assim é Tudo é Rio, com ingredientes como amor e sexo, família, abuso, violência doméstica, paternidade, maternidade, temas (é bom que se diga) já presentes em outras histórias contadas por escritores diversos. O que há de diferente, então? A forma como Carla escreve e conta, a poesia que ela extrai das palavras, transformando o ato de escrever numa forma de tecer, de bordar a escrita. O resultado no clube de leitura foi unânime, com todos encantados com a obra e a sua autora.

Ano novo, novas leituras no clube do livro e aparece a sugestão: Véspera, a mais recente publicação de Carla. Com a indicação, a pergunta que não queria calar: será tão bom quanto o Tudo é Rio, ou o encanto será quebrado? Vai se repetir a velha síndrome do livro bom?

Leitura iniciada e as mensagens no zap do grupo começaram a pipocar: “que livro!”, “como essa mulher escreve!”, “que história é essa?”, “acho que gostei mais desse do que do outro” e por aí vai. Os mesmos ingredientes de tantas outras obras também estão por lá. Até uma história batida, a de Abel e Caim, passa a ganhar um novo sentido com a recriação desses personagens. Véspera? Pode ser que hoje seja a de amanhã, mas para Carla isso ganha mais tempo que vai se enlinhando entre acontecido passado e acontecido recente.

O seu trabalhar com as palavras e os seus sentidos podem ser assim ilustrados: “A memória é um estômago em permanente refluxo, e a culpa é ácida como um suco gástrico”; “As manhãs têm pela frente o dia e com ele a ilusão de se poder resolver tudo”; “Esse ‘bem feito’ disfarçado de ‘eu avisei’, como é cruel”; “E até a brisa, musa da delicadeza, machuca”; “O artesanato é arte sem tormento”. E tem mais, muito mais, tudo lá no livro.

Mas não para por aí a criação de Carla Madeira. “A Natureza da Mordida” foi o seu segundo livro, que esgotado numa pequena tiragem, ocultou-se. Veio à tona pra mim por empréstimo de uma amiga. Com a sua leitura acabei de vez sendo “mordido” pela prosa da autora. Li quase de uma sentada só e comprovei: Carla Madeira é realmente “madeira que cupim não rói”. Como escreve bem essa menina. A inspiração de Carla se parece com a do poeta, seu conterrâneo das Gerais, que dizia “quando a inspiração bate na porta, chega e prenuncia um tempo bom”. E haja tempo bom...

Mas não custa avisar: apaixonei-me pela forma como ela conta histórias e brinca com as palavras e um apaixonado, você sabe, não vê nada em sua frente senão o objeto de sua predileção. Mas sou capaz de apostar: leia Carla Madeira e você também se apaixonará. Sim, e indique sem susto!

Fleal
Enviado por Fleal em 18/01/2022
Reeditado em 19/01/2022
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