*Um piauiense em Nova Iorque

Um piauiense em Nova Iorque

Embora eu já esteja, há mais de trinta anos, com meu jegue amarrado à beira do mangue, em Aracaju, na verdade, eu nunca me vi totalmente distante de minha aldeia. Até que, um dia, as circunstâncias mudaram, completamente, o norte de minha vida.

Se deixar Teresina era possibilidade zero, ir para fora do Brasil era possibilidade cem abaixo de zero. No entanto, confesso que me senti tentado a ir trabalhar no Iraque, na construção da Rodovia Expressway, com retorno garantido, após dois anos. Mas apenas tentado, não me arrependo de ter desistido.

Até que um dia, quando eu trabalhava em Balsas, no Maranhão, ouvi um zum zumzum rolando à boca pequena, dentro do meu setor de serviço, sobre uma inesperada viagem. A minha débil intuição acusava que seria comigo.

Não demorou nada e, na mesma tarde, recebi um comunicado, dizendo que eu deveria arrumar meus teréns para decolar para Nova Iorque, onde eu deveria passar uma semana. Informações subsequentes seriam dadas.

Eu sabia muita coisa sobre a cidade de Nova Iorque, como por exemplo, que ela ficava localizada na confluência dos Rios East e Hudson com o Oceano Atlântico Norte, que era um conglomerado formado pelos distritos de Manhattan, Brooklyn, Queens, Bronx e StatenIsland, que era o maior centro comercial e financeiro do estado de New York e um dos maiores do mundo, a 245 km da capital Albany, e também que ela era a terceira cidade mais populosa das Américas, atrás apenas de São Paulo e da Cidade do México. Também já tinha ouvido falar na 5th Avenue, com seus 10 km de extensão, na Estátua da Liberdade, no Empire State Building – as Torres Gêmeas do World Trade Center ainda existiam – na Times Square e tantas outras coisas peculiares vistas na televisão.

Para muitos, seria um prêmio tal viagem, mas não para mim. Mesmo tendo feito seis períodos no Yázigi, meu “ingreis” estava uma lástima, exatamente por falta de prática, tempo e interlocução. Como tem coisas que só acontecem comigo, aquela seria apenas mais uma, mas não a última.

Chegou o dia da viagem e, para ser preciso, eu não estava gostando nem um pingo. Tinha muito de aborrecido e nada de contente. Mas, como dizia minha avó: “Quem a bunda aluga, até para peidar, tem que pedir licença”. Era o meu caso.

Saímos às 5h e, após 10h de viagem, para vencermos 280 km de estradas em péssimas condições, finalmente chegamos, entupidos de poeira até “oszoi”, em Nova Iorque, à beira do lago da represa da hidroelétrica de Boa Esperança, no Maranhão, divisa com o Piauí. Nas cercanias de Nova Iorque, não existia nada e, do outro lado do Rio Parnaíba, também nada existia.

Afora a Matriz de Santo Antônio e a Prefeitura Municipal, nada mais se via no município.

Em 1987, a cidade não tinha nem dois mil habitantes. Logo na entrada, nosso carro teve um pneu furado e, para conseguir um borracheiro, foi uma aventura.

Pareceu-me que os dois funcionários mais desocupados da cidade eram Sua Excelência, o Prefeito, e o Dr. Delegado de Polícia. O primeiro não fazia nada, talvez por deficiência de vocação ou inapetência, e o segundo, nada tinha para fazer.

De especial, o que me chamou a atenção?! Talvez o traçado topográfico da planta da cidade. Muito bem planejado, infinitamente superior a sua homônima norte-americana. No entanto, as comparações cessavam aí.

Passar uma semana ali me custaria muito, mesmo com a agradabilíssima acolhida das pessoas.

Nossa permanência em Nova Iorque teve, pelo menos, um grande benefício, que foi reativar a única “pensão” da cidade que, certamente, faliu com nosso retorno. Era um local que, no linguajar de estradeiros, poderia ser chamada de o “fim da picada”. A chegada era, ao mesmo tempo, a única saída. De um lado da placa, lia-se: “Seabienvenido”, mas eu li, “¿lo que quieres?”. E do lado oposto, estava escrito: “Já vai tarde”. Mas no nosso caso, isso não nos afetou, pois saímos mais cedo.

Em três dias, terminamos nossa tarefa e retornei com o meu “ingreis ”tão avariado quanto na chegada. Entrementes, como agora eu me tornara um pião cosmopolita, minha próxima viagem seria para Filadélfia.

NA: Deixo bem explícito, especialmente aos nova-iorquinos ou nova-iorquenses, que essa narrativa não tem a mínima intenção de ser pejorativa. São fatos ainda do século passado. Como fiz questão de frisar, o povo foi excepcionalmente amável comigo.