Devaneios

A vida é engraçada.

Ontem mesmo, conversando com amigos, “descobri” que há dois tipos de pessoas: as que levam muito tempo no banheiro e as que são ligeiras. As primeiras precisam aproveitar seu tempo no processo, por isso gostam de lá ler. Têm dificuldades em se aliviar fora de casa. As segundas não levam mais que alguns minutos e obram em qualquer lugar, de acordo com sua necessidade.

Acredito que há também dois tipos de pessoas. As que gostam de falar sobre isso e as que não gostam.

Mas vou falar de três tipos de pessoas, e não tem nada a ver com essa introdução divertida e um tanto quanto... desagradável.

Bem, não são exatamente tipos de gente. Ninguém sabe a que tipo pertence até que seja consumado o ato da vida pelo anjo da morte.

Há um tipo que dramaticamente se apaga, através de um tempo de agônico sofrimento, como que engolindo dezenas de ouriços, um após o outro. São como estrelas que explodem em supernovas. Os astrônomos sabem que uma estrela está prestes a passar por essa transformação cataclísmica. Médicos, familiares e amigos sofrem durante este período. Foi assim com o meu pai.

Outro tipo desaparece imediatamente, ao ponto cru da realidade nua e gélida daquilo que nós chamamos de Vida, Natureza. Esses são uma chama de vela apagada por uma lufada repentina. Mal se pode ver o tremular final da luz e torna-se escuridão o que um segundo atrás era fulgor. Aconteceu com minha tia e meu primo, ainda bebê. Um trágico acidente de carro levou embora seus brilhos e privou-nos de um futuro compartilhado. Esse meu primo tinha fantásticos e grandes olhos azuis. Sua irmã sobreviveu e hoje é uma das moças mais bonitas que conheço.

Ainda outro tipo se esvai mais lentamente, esmaece no seu devido tempo. Olhamos duas vezes e sabemos que antes brilhava mais que agora, sabemos que vai se apagar em algum momento breve. Comparados aos resquícios de uma fogueira ainda irradiam calor, brilham com cores avermelhadas e reconfortantes. Trazem a beleza diferente: o que antes eram chamas amareladas e dançantes agora são brasas incandescentes e estáticas. Resistem à passagem do tempo, são amigas da vida, de Deus e do Anjo da Morte.

Olhando essas três categorias, não nos espanta que o fogo esteja tão presente nas metáforas sobre a vida. “O fogo da vida se esvai”, “Ele é cheio de fogo de vida”, “A luz de sua vida é grande”.

Os antigos – pensadores primevos como romanos ou gregos – pensavam que a respiração servia ao propósito de moderar o calor gerado pelo coração. Evitava-se, assim, que o fogo da vida incinerasse o corpo, seu receptáculo.

Estas mentes “primitivas” geraram os conceitos e embasamentos do pensamento científico que temos hoje. Por isso são dignas do status de “grandes mentes”. Repare-se bem, eles não tinham nada mais avançado que alguns utensílios de madeira, ferro e cerâmica, viviam menos anos, padeciam de males que hoje estão instintos ou são raros. Mesmo assim, o raciocínio claro ficou gravado pela sua escrita. Conceitos como este, o da respiração e do fogo interior, são hoje dados como errôneos, mas seu modo de pensar e sua maneira de fazer a lógica conformar-se com a filosofia são tesouros para nós, povo do futuro.

Outro pensamento interessante dos antepassados do qual me recordo agora: o de que os olhos emitiam alguma forma de rajada que criava a visão, na presença da luz. Não se concebia que a luz era composta por raios que se refletiam nos objetos e, então, eram capturados pelo interior dos olhos. Os olhos é que tinham o poder ativo de emissão daquilo que viria a tornar visível o antes invisível.

Tinham os antigos o pensamento vigente de que a Terra era o centro do universo. Mais adequadamente a esta discussão, o ser humano era o pivô em torno do qual a existência exercia sua função. Veja: havia um fogo de vida dentro do bater do coração, uma fonte misteriosa, algo divino dado ao humano, mas que necessitava da brisa da respiração para ser contido. A visão do mundo era definida pelos olhos, eles é que tinham o poder ativo para gerar as imagens, não a luz.

São resquícios, laivos ou mesmo sinais deliberadamente insinuantes do pensamento de que o ser humano é o centro da existência. Como poderia ser diferente? Estávamos presos na esfera da Terra, o céu era-nos inalcançável, o corpo era tudo que tínhamos – o que não foi pouca coisa. O corpo continha o cérebro e este a imaginação: “a Arma Mais Poderosa no Universo Conhecido”!

Com um pedaço de pau os antigos mediram a circunferência da Terra e demonstraram que ela era esférica.

Com observações persistentes do trajeto das luzes no céu noturno, mapearam as estações e diferenciaram planetas de estrelas e cometas. Consequentemente, demonstraram que a Terra não era o centro, mas que girava em torno do sol.

Aos poucos foi aumentando o aparato científico e tecnológico no arsenal do humano e chegamos onde estamos hoje. Civilizações que ficaram para trás neste avanço foram extintas, como os povos pré-colombianos.

Não me cabe julgar o que é bom ou ruim, o que fez mais mal ou bem. Imaginação, ciência e poder são coisas que não tem natureza própria: estão no ponto 0,0 no gráfico bem X mal. Precisam da atitude do ser humano para adquirirem lugar. É válido aquele dizer: “podem ser usados tanto para o bem quanto para o mal”. Ou "são uma faca de dois gumes".

Neste ponto voltamos a colocar o ser humano no centro de tudo. Desta vez, porém, temos a justificativa de que estas armas – imaginação, ciência e poder – nasceram dos seres humanos: realmente vieram de nós e depende de nós a sua subsistência.

Quando se põe no mundo poderes como esses, tornamo-nos responsáveis pelas suas consequências.

Pará de Minas, MG

Manhã de chuva mansa de verão.