Para sempre?

Agrada-me entender o significado das palavras. Não apenas pela questão etimológica, mas pelos diversos sentidos que ela encerra, dependendo do seu uso em situações, acentuações ou entonações diversas. Um “por exemplo”: a palavra bonito, originária do latim ‘bonus’, que remete tanto a bom, como a belo, pode significar o contrário, dependendo do contexto em que é usada. Uma coisa é “você está bonito”. Outra, bem diferente, é, “bonito pra sua cara!”.

Assim é que me encanto por alguns vocábulos em razão da linguagem em que estão sendo utilizados, seja a falada, a romanceada, a poética, a musical, com todas as motivações que justificam o seu uso. Um desses termos é “sempre”, tomando o exemplo do poeta maior, em seu poema “Para sempre”, com o seu questionamento ao divino, “por que Deus permite que as mães vão-se embora?”, complementado por: “fosse eu rei do mundo baixava uma lei: mãe não morre nunca, mãe ficará “sempre” junto de seu filho”. A palavra vem do latim, conservando o seu sentido original desde a criação e está presente, com pequenas variações, siemper, semper, em outros idiomas, sempre mantendo no significado o seu sentido próprio, absoluto, que é a associação com o que é constante, perpétuo. Ou seja, o sempre definitivo, que é o desejo não só do poeta, mas de todos os filhos, em relação às suas mães.

Mas há também o “sempre” relativizado, aquele que surge em decorrência das relações amorosas, aparecendo na linguagem dos apaixonados em juras de amor, nas quais sempre são pra sempre ... “até um dia, até talvez, até quem sabe...”.

Encontrei uma explicação desse “sempre”, mas não tanto assim, na linguagem musical, ouvindo pela milionésima vez, por intérpretes mil, uma canção de Edu Lobo. Atentei para os versos de súplica, “sim, me leva “para sempre” Beatriz, me ensina a não andar com os pés no chão”, logo acompanhado da advertência, “para sempre” é “sempre” por um triz”, como a ameaça Damocleana, de ter a cabeça decepada a qualquer instante, pelo “triz” da fragilidade de uma crina. A palavra é a mesma presente nos versos de Drummond, mas com as reconsiderações admitidas pelo amor.

E por que esse “pra sempre” nem sempre é tão “pra sempre” assim? Quem sabe o homem (ou a mulher) se veja como um “bicho da terra tão pequeno”, e logo que “chateia-se na terra, lugar de muita miséria e pouca diversão”, sai em busca de novos ares, deixando de lado aquele apaixonado “pra sempre”? Talvez a explicação até esteja no “todo dia ela (ou ele) faz tudo ‘sempre’ igual”, quem sabe?

Nas lamentações dos términos, o lembrete Russo da relativização do “sempre”: “se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era ‘pra sempre’, sem saber que o ‘pra sempre’ ‘sempre’ acaba?”. E, sem açúcar e sem afeto, crava o poeta arrependido: “Pois é, fica o dito e o redito por não dito”, já que o “nosso mais-que-perfeito está desfeito e o que me parecia tão direito, caiu desse jeito, sem perdão”. Assim caiu o pra sempre...

As coisas do amor são assim, nem sempre, para sempre: “tudo em você é fugaz” diriam uns. “Mas que seja infinito enquanto dure”, já é o desejo de outros tantos. Mas sempre há a esperança da “espera de viver ao lado teu, por toda a minha vida”. Não fosse assim, não seria o amor.

Fleal
Enviado por Fleal em 01/02/2022
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