AMPLEXOS, ÓSCULOS E AMIZADES

Como professora, muitas vezes foi meu dever ensinar sobre o “signo linguístico”, segundo Ferdinand de Saussure. O conceito em si não é exatamente fácil de entender: O signo linguístico é a união de uma imagem acústica e um conceito, de um significante e um significado.

Para que entendessem melhor, eu escrevia no quadro duas palavras: amplexo e ósculo, e pedia que meus alunos as lessem. Em seguida, eu solicitava que eles me dessem os seus significados. Normalmente, eles não conseguiam atender o meu segundo comando, então eu lhes dizia que ao lerem-nas, eles tinham transformado as imagens gráficas (as letras) em imagens acústicas (os sons das letras juntas), e que, portanto, eles tinham acabado de me dar os significantes daquelas palavras. Por fim, eu aliviava seus corações dizendo que pouca gente sabe que amplexo significa abraço e que ósculo significa beijo.

Ósculos ou beijos podem ser demonstrações de amor carnal, de amizade ou até mesmo de traição, como aprendemos em Mateus 26:47-50, Marcos 14:43-45 e Lucas 22:47-48, quando vemos Judas assim agindo para identificar Jesus para os soldados romanos.

Eu costumo usar abraços e beijos para demonstrar o nível de amizade e consideração que eu tenho pelas pessoas. Faço isso sem falsidade alguma, sem temer ser mal interpretada. Quanto maior o meu afeto pela pessoa, mais verdadeiro eles são: os beijos estalam nas bochechas dos amigos e com os abraços é possível sentir os pulsares dos dois corações. Há quem não goste disso e não me chateio, simplesmente me convenço de que me equivoquei na classificação de “amigo” e excluo ou desço a pessoa alguns degraus na minha escala da amizades.

Nesse ponto, entra algo muito raro, que merece ser preservado e honrado para vida toda: a amizade. Há quem confunda esse termo e o use apenas quando as situações são plenas de festas e de alegrias, ou quando algum interesse maior está em jogo.

Não é exatamente fácil discernir as amizades verdadeiras, mas costumo avaliar se além da sintonia de almas, de ideias e de ideais, a pessoa se solidariza ou comparece nos momentos de dor. Amigos reais são assim: eles se alegram com a felicidade do outro e choram quando o amigo sofre ou se vai.

Dia 03 de fevereiro de 2022, eu e um grupo de familiares e amigos compartilhamos a dor de velarmos e de levarmos até a sua última morada o querido professor de Geografia, Wagner da Silva Andrade. Pessoa agradabilíssima, que conseguia aliar inteligência, competência profissional e ótimo relacionamento interpessoal, e em quem eu dei amplexos apertados e ósculos estalados todas as vezes que nos encontrávamos.

Um pouco antes das orações finais, chegaram do Rio de Janeiro os seus familiares e entre eles um irmão imensamente parecido com ele. Talvez mais baixo, menos “fortinho”, olhos mais claros... Mas aquela imagem bonita marejou meus olhos, apertou muito meu coração.

Na hora em que o corpo já se encontrava no carro que o levaria ao cemitério São José, coincidentemente, esse irmão do meu amigo Waguinho estava bem próximo a mim. Não me contive, o abordei e pedi: posso te dar um abraço? Claro que ele aceitou. Foi um abraço apertado, longo, regado a lágrimas, em que eu pude sentir seu coração pulsar tão emocionado e dolorido quanto o meu.

Não sei seu nome, sei que é 11 anos mais novo que o meu amigo, mas isso não é o mais importante: com aquele abraço eu deixei com mais alguém da família um pedaço da grande amizade e carinho que sempre vou nutrir por aquele inesquecível amigo.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 04/02/2022
Reeditado em 04/02/2022
Código do texto: T7444566
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