Aqueles olhos…

Quando criança, eu tentava tirar os olhos dela pra colocar em mim.

Não conseguia entender como minha mãe tinha olhos verdes e eu não.

Da sua (peculiar) maneira, ela me fez, aos poucos, entender o quão insignificante poderia ser essa característica: sempre que encontrava uma pessoa de olhos claros bem feia, me dizia “Olha lá! Tá vendo como não adianta nada?”. (Rs)

Hoje, percebo que havia mais coisas que me prendiam naqueles olhos além da cor.

Eles, sempre, tiveram, ao mesmo tempo, um ar de tristeza e uma profundidade tão grande que, de alguma forma, me incomodavam.

Lembro-me de que ela, frequentemente, fixava seu olhar no horizonte, por um longo período, embora não visse nada.

Seus olhos estavam perdidos, mas ela, provavelmente, sabia onde sua mente estava.

O problema é que eu não sabia. Aliás, nunca soube.

Talvez, por isso, me incomodasse tanto vê-la nesse momento de recolhimento e abstração.

Especificamente, esse lugar, para onde minha mãe, vez ou outra, ia, eu não conhecia. Esse lugar era só dela.

Percebo, só agora, que há um lugar, só nosso, para onde se precisa ir quando a vida concreta pesa.

Mas esse lugar vai se construindo com o tempo.

Sua estrutura é feita de experiências, dores, saudades e, principalmente, daquilo que, de tão íntimo e palpitante, ainda, não se consegue nomear.

Quem parte para esse lugar, hoje, sou eu, mãe.

E, por isso, quero me desculpar por todas as vezes em que senti raiva ao vê-la submersa na sua própria existência. Eu só sentia isso porque, nesses momentos, eu, também, a perdia.

E sabe qual a beleza de tudo isso, mãe? É perceber que, mesmo em planos diferentes, é nesse lugar em que, verdadeiramente, nos encontramos.