Netos, sempre netos

Alegria de avô é falar sobre os netos. Assunto não falta. Desde aquelas “tiradas” inesperadas que nos deixam com cara de “ah! é?”, às descobertas do que eles fazem com um celular, ou até mesmo as lembranças das viagens. O fato é que tudo acaba sendo motivo para falar neles. No meu caso são seis os que dão essas razões. Sendo de três filhos diferentes, o contato com eles não se dá de forma única, sendo, por vários motivos, mais intenso com uns do que com outros. Exatamente por isso o convívio mais frequente com um deles acaba tornando-o “figurinha fácil” para ser citado nas crônicas.

Alguns desses episódios: ainda pequeno, numa viagem de longa distância de carro entre João Pessoa e Salvador, depois de acordar e dormir e acordar umas tantas vezes, e de muitos “já chegou?”, finalizou com essa: o fim do mundo já está perto, vô?

Numa outra ocasião, na ida para a escola, falávamos sobre a sua participação nas aulas. Sempre falante e com opinião a dar sobre tudo, se queixou que uma colega pediu para ele calar a boca. Apresentei-lhe uma “inocente” sugestão: sempre que viessem reclamar para ele calar a boca que respondesse com a famosa “cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”. “Na lata”, veio a pergunta: “posso dizer assim com a professora também?”. E lá fiquei eu, com cara de “mais mais fonfon”, tentando explicar pra uma criança de sete anos que aquilo que eu disse vale para um caso, mas para o outro não convém.

De outra vez, ainda nessa mesma idade, conversávamos sobre cuidados com os avós na velhice e a minha expectativa que ele, crescido, me servisse de companhia quando precisasse desse apoio. E ele saiu-se com essa: “Vô, até completar dezoito anos eu cuido de você, mas depois disso não vou poder mais, pois eu vou ter que cuidar da minha vida”.

Com o passar dos anos, aqui acolá eu lembrava dessa conversa e rememorava com ele, fazendo conta do tempo. Até que o raio caiu em forma de resultado das notas do Enem. Por conta de seus esforços, ele obteve uma boa média que deve ser traduzida por uma vaga no ensino público, cursando uma Universidade Federal. Alegrei-me com a apuração e, na mesma hora, a tal lembrança voltou, e com força. E assim como os números não mentem, o calendário também é implacável: daqui a dois meses coincidindo com a sua entrada na universidade, ele completará os dezoito anos, por mim tão temidos, exatamente a idade que, segundo ele, o desobrigaria de cuidar de mim, para cuidar de si, da sua vida. A porta está aberta, a faculdade o espera para trilhar um caminho profissional que deve garantir a sua autonomia em breve. Este é o meu desejo.

Se, como disse Gibran, “teus filhos não são teus filhos. São filhos e filhas da vida, anelando por si própria. Vêm através de ti, mas não de ti. E embora estejam contigo, a ti não pertencem”, imagine os netos. Esses é que não pertencem mesmo...Só espero que ele atenue a sua fala de onze anos atrás e dedique só um pouquinho do seu tempo a me fazer companhia. Com certeza a literatura será um dos temas das nossas conversas, como costuma ser agora.

E, parodiando o poeta, digo eu, Vai, Filho! Ser feliz na vida, com a sua escolha. É o mínimo que este avô babão pode dedicar.

Fleal
Enviado por Fleal em 15/02/2022
Reeditado em 15/02/2022
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