PARTILHA DE BENS

PARTILHA DE BENS

Por toda nossa vida, somos compelidos a conquistar bens. Ter um bom emprego significa poder fazer prestações de um algo que se deseja. Quando somos promovidos primeiro pensamos no que isso irá render, quanto a mais poderemos gastar. Conseqüentemente, imaginamos a cara de “fulano” ou “ciclano” vendo como estou progredindo (gastando mais para aparentar mais). Aumentando o nosso “dote” aparente, somos mais cobiçados pelo “AMOR”, devido ao nosso “PODER” aquisitivo. Tudo se torna uma aquisição: imóveis, ações, carros, estudo, cultura, e até a família. AMOR e PODER.

Assim vamos adquirindo bens, que muitas vezes não nos fazem bem algum. Mas nós nos apossamos de tudo: das coisas e das pessoas. Criou-se uma mentalidade de que ganhar tempo é ganhar dinheiro, o mais rápido possível e cedo desfrutar da tranqüilidade de ter uma vida perfeita, com tudo no lugar. Muitos se perdem nessa busca da perfeição: o trabalho perfeito; a casa perfeita; o carro perfeito; as férias perfeitas, o par perfeito para uma família perfeita. Todos queremos somar e nunca diminuir; dividir somente na certeza de no futuro multiplicar. Nesses caminhos onde muitos procuram e poucos encontram, vê-se o AMOR solitário cujo único dote a oferecer é ele mesmo. Assim como o PODER, expõe tudo o que tem para dar, nada além do concreto.

Na personificação do AMOR e do PODER, temos seres humanos pela metade à espera do seu complemento. As combinações são das mais diversificadas. Todas com boas possibilidades de acerto, mas nenhuma com garantia eterna. AMOR com AMOR, tem sentimento de sobra, amparo, companheirismo... Mas para realizar os sonhos é preciso coragem, determinação, algo de impetuosidade, se a emoção não for inteligente a sensibilidade tende a esmorecer. PODER com PODER, certamente irá gerar prosperidade. Tudo a tempo e com ações planejadas, que se por sua vez não tiver inteligência emocional para contornar imprevistos, podem causar desastres. AMOR com PODER ou PODER com AMOR, supostamente é a combinação ideal. Contudo, em se tratando de pessoas e personalidades, de seres e individualidades, não importa a combinação, ambos terão que aprender a subtrair um pouco de si, para permitir o crescimento da relação.

Por entre ruas, esquinas, bares, casas, os seres do AMOR e do PODER cruzam vibrações, olhares, insinuações, até que um dos dois tome a iniciativa. Junto ao entusiasmo de viver “maravilhas” vêm à pressão do tempo. Muitos estão na mesma busca, se não tomarmos uma atitude outro será feliz no nosso lugar. Acontece que ninguém rouba nada de ninguém. Não o que já foi conquistado. Os roubos são uma espécie de acerto de contas com o passado, por nós esquecido, mas lembrado pela reação da VIDA que toma de volta o que adquirimos inadequadamente. Nessa ânsia de construir, ter e lucrar, o conhecimento não se aprofunda, permanece na euforia superficial do “novo”. E por um impulso irracional, esses dois mundos se unem, somando-se por inteiro ou não! Ainda que com a melhor das intenções, um deles acaba assumindo a postura de líder. Porque gosta de mandar ou por interpretar que o outro não possui essa característica. É preciso respeitar seu espaço, mas a ação freqüente acaba mudando sua conotação que o tempo passa a ser vista como displicência. É ai que começa a falência... Ao invés de haver a troca que complementa, eles se isolam dentro do que cada um julga ser melhor.

Podemos chamar esses períodos de afastamento como a “busca do nosso verdadeiro eu”. Nesses intervalos, que são os mais perigosos, ficam ambos se observando, se estudando, se analisando... A si próprios? Claro que não! Ao outro, esperando por uma distração, apenas um pequeno deslize que lhe permita assumir o real desconforto de pensar que enquanto alguém não faz nada, nós estamos sobrecarregados. Tentam mostrar disfarçadamente que está ficando pesado, mas ainda assim é feito com um sorriso no rosto. Sem esperar agradecimento, nem nada em troca. Apenas o reconhecimento do seu esforço por amor. Como então, o parceiro irá perceber o que está por trás daquele sorriso? Como entender a dor mascarada pela promessa de sinceridade? A confusão começa na interpretação subjetiva ao invés de simplesmente perguntar. Aquele que tem sua opinião negligenciada sente-se sufocado. O outro cujas decisões e responsabilidades são mantidas em suas mãos sente-se explorado. A casa que era um lar é agora um campo de batalha, minas a espera de um passo em falso e som da explosão. Só uma notícia poderia reverter esse processo separatista. Recordar o carinho do início, a vontade de descobrirem juntos suas afinidades, trazer à tona as boas lembranças, os ideais, as esperanças. Novo clima os envolve e a guerra cede, bandeira branca em sinal de trégua. E a paz se fez a paz no território neutro de uma cama. Bonança que dura pouco, porque as minas não foram desarmadas, foram apenas camufladas, temporariamente!

Se a guerra tem seus frutos, a paz também tem os seus. Após alguns enjôos, atrasos, exames: resultado positivo. Antes que se dêem conta, esquecem-se das minas e passam a idolatrar aquele sorriso bangelo, com carinha de joelho, lágrimas comoventes e um jeitinho todo especial de se comunicar... Um choro angelical sem hora de começar e acabar. Fim da calmaria, fim do intervalo. Novamente pressão e peso. Antes da crise tenta o AMOR, amenizar a situação. Relembrando o como e porque se deu esta união. Mas a sirene interna de cada um dispara o alerta de perigo, o que não é um bom sentimento, é o medo do ataque inimigo. Fim! O que um dia foi à união de sonhos, realização sem medir esforços, corresponde agora a números e cálculos. O que antes não tinha preço é contabilizado, móveis escolhidos a dedo estão em liquidação. O especial é maldição a ser dispensada. O que era caro agora é bagatela. Mágoas pagas centavo por centavo! Mas como avaliar monetariamente o breve instante em que aceitaram ser a metade que faltava um do outro e que num momento único de entrega, essas metades formaram um inteiro que foi registrado com os seus sobrenomes familiares? Nessa partilha de bens, quanto vale a vida desse inocente refém?