FACE OCULTA

O brasileiro costumava ser retratado no exterior como um sujeito camarada, alegre e descontraído. Esse personagem, no entanto, vem sofrendo modificações, dando lugar a um ‘outro brasileiro’, não tão afável, cuja face obscura parece mais aflorar a cada dia a ponto de anular o primeiro.

O dito sujeito divertido com espírito brincalhão é o mesmo que dissemina piadas racistas e estigmatiza com expressões preconceituosas ‘crioulos’, ‘balofos’, ‘nanicos’, ‘geninhos’, ‘deficientes’, ‘retardados’, ‘bruacas’, ’vadias’, ‘viados’, enfim todos aqueles que o fazem rir por serem “diferentes” do padrão que ele julga normal. Do ponto de vista da vítima, talvez não seja tão engraçado. E daí?

Deleita-se ao assistir um coitado ser humilhado nas pegadinhas da TV principalmente gente simplória, os desavisados, os puros de coração, iscas fáceis para ridicularização ante milhares de olhos com brincadeiras de mau gosto. Quem mandou confiar no semelhante?

Essa é a verdadeira índole do brasileiro. Aquele que perde a decência mas não perde a piada. Pois a decência dá pra comprar barato de um camelô na esquina. É o mesmo que não deixa passar a oportunidade de furar uma fila, ocupar a vaga de estacionamento do cadeirante ou passar, pela faixa do acostamento, à frente dos trouxas que respeitam pacientemente no trânsito as regras de civilidade.

Aquele que, quando um caminhão capota, aproveita-se do motorista ferido pra se apropriar da carga espalhada pelo chão. Que quando vê o idoso deixar cair uma nota de 50, corre pra socorrer a pobre nota abandonada. Antes que outro brasileiro o faça.

Que ao ver alguém em desespero prestes a saltar do alto de um edifício, engrossa o coro: “pula, pula”. Que quando vê duas mulheres se engalfinhando numa briga de vida ou morte, intervém para conter o idiota que quer apartar, frustrando o espetáculo sanguinolento.

Que compra mercadoria roubada pagando mais barato. Afinal, como bom brasileiro, nunca deixa de levar vantagem.

Dá pra ver pela qualidade do nosso parlamento o nível dos políticos que elege. Seu modelo de homem público não é o abnegado que se empenha em resolver os problemas da nação. É o safado que aplica rachadinhas pra se encher de grana. Houve uma época em que o bom governante era o tal do ‘rouba mas faz’. Agora, é aquele que rouba e NÃO faz. O estelionatário eleitoral. Esse é o espertalhão digno de ser admirado. Nunca o honesto otário que só se ferra.

Não segue a religião do monge que prega compaixão e solidariedade mas a dos pastores trapaceiros que acumulam fortunas. Seu Deus não é aquele que reconhece com amor os atos de caridade do seu rebanho mas um ente mercantilista que retribui com grana viva os frutos das trapaças de quem sobe na vida às custas dos demais.

Mas o crente não é descrente de todo. Acredita na força das armas para se defender dos ‘vagabundos’ que o ameaçam. Porque esse brasileiro não confia que a justiça e as instituições de seu país o protejam. Em verdade, não acredita em seu país. “Quer viver num lugar decente, brother? Vai pra Finlândia”.

Esse é o povo do nosso Brasil. Quem é o maior ídolo nacional? O cientista que descobre o medicamento que salva milhões? O benfeitor que dedica sua vida para melhorar a condição dos necessitados? O artista reconhecido internacionalmente?

Não! É o campeão da Fórmula 1. Aquele que, na pista, deixa os gringos para trás. Pois seu grande ideal na vida é passar à frente dos outros. Nem que seja pelo acostamento.

É esse o povo da nação que jamais produziu um escritor que fosse digno de um Nobel, um cineasta que fizesse jus a um Oscar.

Nas eleições para presidente, tendo que optar entre o médico, o professor, a ambientalista e o brucutu, adivinhe quem escolheu. Um ogro que quando chegou lá em cima, aliviou para os infratores. Liberou geral para todos os safados do país, exceto os miseráveis. Para os ambientais, nem se fala: os que roubam madeira, os que queimam florestas, os que envenenam rios, os que assassinam índios. Livres e soltos. Vingou-se com classe do IBAMA. Autuado no passado por pesca ilegal por um fiscal do órgão que exercia sua função, ao chegar lá em cima, anulou a multa e transferiu o fiscal. Esse é o machão que o representa de verdade. O que usou o poder para se dar bem na vida, como deve ser.

Não vê a hora de chegar também lá em cima pra dar uma carteirada no infeliz encarregado de fazer cumprir as regras e esfregar-lhe na cara um “sabe com quem cê tá falando?”

Ser um policial, não para exercer a lei, mas pra poder dar cacete no infeliz da rua do lado com quem não vai com a cara.

Esse é o tipo de indivíduo que faz um simulacro da nação que diziam, seria o país do futuro.

Apenas um país que não deu certo.

sergio sayeg
Enviado por sergio sayeg em 18/02/2022
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