Meu amigo Gumercindo

De há muito a amizade é cantada em prosa em verso. Em Provérbios e Eclesiastes, por exemplo, está escrito que “o amigo ama em todos os momentos; é um irmão na adversidade, e que “existe amigo mais apegado que um irmão”. Além disso “um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro” e “se um cair, o amigo pode ajudá-lo a levantar-se”.

O cancioneiro popular é fecundo nesse tema. E vai desde “amizade sincera é um santo remédio, um abrigo seguro”, passando por “amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo peito, dentro do coração” e chegando em “você meu amigo de fé, meu irmão camarada”, dentre tantas outras.

Já o poeta disse que “o amigo é um ser que a vida não explica, que só se vai ao ver o outro nascer, e o espelho da minha alma multiplica”.

Tudo isso é a propósito da perda de um amigo, cuja amizade começou no final dos anos 70, nos bancos da faculdade. A aproximação inicial foi pelo boletim das aulas. Como ambos somos Antonio, eu Antonio Fernando e ele Antonio Gumercindo, éramos listados um após o outro. Depois, morando no mesmo bairro, ele gentilmente passou a me oferecer carona e daí para o estudo nos finais de semana, em sua casa, foi só um passo. Lá eu conheci Janete, sua esposa, D. Odília, sua sogra, que morava com eles, e, na ocasião, só André e Luciana de filhos.

Uma coisa boa foi descobrir a naturalidade de seus pais: Dr. Serafim e D. Elza eram baianos, assim como eu. Encompridando a conversa encontramos uma pessoa, quase minha parenta, que era amiga dos seus familiares em Salvador, o que só aumentou o laço. Uniu ainda mais um costume que ele tinha, na volta da faculdade, eu com ele, de passar na casa de seus pais. Como bom filho tinha o bom hábito de, todos os dias, ir pessoalmente visitá-los, para o ritual de lhes pedir a bênção.

As horas de estudo eram muitas, sempre acompanhadas dos lanches que a sua sogra preparava e gentilmente nos oferecia.

Mas tinha também o lazer que juntava os nossos filhos e seus sobrinhos, na casa de Cabedelo.

Formados e com novos endereços, os encontros escassearam. O zap nos reaproximou e, aqui acolá, trocávamos mensagens.

Três meses atrás encontramo-nos no aeroporto em João Pessoa, com destino a Salvador onde ele iria rever os parentes. Era o que eu também estava fazendo. A alegria dele e de Janete por nos encontrar foi comovente e as boas lembranças não tardaram a dominar o assunto, integrando os outros passageiros familiares na conversa.

Sempre tive a curiosidade para saber a origem do seu nome. Sei que significa homem poderoso, espírito lutador. Mas me perguntava: teria sido alguma homenagem dos pais ao personagem do conterrâneo Jorge Amado que também era Gumercindo? E, se fosse, por que dominou o Cindo, Cindinho, em vez do Guma, de Mar Morto?

Pelas redes sociais soube do seu estado de saúde. Também por elas fui informado da sua partida, depois de muitas orações pelo seu restabelecimento. “Um dia de tristeza me faltou” o amigo, “o mais certo das horas incertas”, sempre com o seu sorriso acolhedor. Mais um que nos é tirado pela pandemia. Ficou a lembrança saudosa. E como disse o poeta, “quero chorar o seu choro, quero sorrir seu sorriso, valeu por você existir, amigo”.

Fleal
Enviado por Fleal em 22/02/2022
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