Colheita em diamantes...

Ela não teve acesso a nenhum estudo superior e foi alfabetizada como era de praxe, pela sua mãe que cedo partiu, deixando-a com os seus quatorze anos apenas...Ainda menina, sequer teve acesso a outra forma de trabalho, se não aquele que conheceu na fazenda do pai, cujas benesses eram a fartura, a vida e a paz campestres. Nesta, ela conheceu a variedade de cores, sabores, cheiros e gostos com os quais aprendeu a lidar muito bem e cedo. Com a perda da mãe, e, sendo ela a segunda filha na hierarquia das idades, a menina precisava ajudar no cuidado dos irmãos mais novos, e, assim fazia...

Seu pai, nem precisamos lembrar que ficara viúvo o que, lá pelos anos trinta não era fácil. Ele era jovem, e, além da solidão experimentada na cama vazia, existiam os filhos. Quem cuidaria deles? Por isso, mal completado um ano de viuvez, ele saiu mundo afora procurando uma moça para se casar. E não tardou para que contraísse núpcias com uma jovem de um pouco mais de dezoito anos, quase a mesma idade da filha mais velha. Enlevado pelo recente encontro e compromisso, além do trabalho na fazenda, quase não lhe sobrava tempo para o contato com os filhos que experimentavam a solidão da orfandade materna e a “ofensa” da substituição.

Muito rápido chegou o primogênito dessa união, e, àquela menina, agora uma jovem de quase dezesseis anos, além das tarefas da casa e do cuidado dos irmãos, recebia mais uma missão: cuidar do recém-nascido. Você deve estar se perguntando –, e a sua irmã mais velha, o que fazia? Bem, esta era uma exímia costureira e muito cedo (talvez para se livrar do jugo paterno e da madrasta) decidiu viver do seu ofício na cidade próxima, para onde levou duas das irmãs mais novas, aparecendo na fazenda, somente nos finais de semana.

Mas, essa menina da qual falamos era sábia, esperta e ágil, e, talvez por isso, cedo se tornou uma exímia dona de casa, dando conta dos trabalhos sem reclamar. Entretanto, o que ela não conseguia aceitar é que outra mulher, que não a sua mãe, desse ordens ou exigisse dela alguma coisa. Esta foi, pois, a razão pela qual muito cedo começaram os desentendimentos entre elas. Demais disso, as duas eram muito jovens, e, se a filha disputava o seu lugar na casa e no coração do pai, também, a esposa tinha iguais direitos. Certo é que ambas concorriam entre si, disputando os territórios e tornando as brigas comuns e corriqueiras... O tempo passava e aquela jovem envolvida com os afazeres, não percebera que se tornara uma mulher bonita, prendada, inteligente e muito simpática. Ela não conquistara apenas o coração do pai com quem tinha uma relação de amor e respeito, mas de todos os colonos e serviçais da fazenda.

No ano em que ela nasceu havia chegado da Paraíba, em terras cearenses, uma família órfã de pai, cuja mãe era aparentada daquele fazendeiro – espécie de coronel respeitado pela sua índole pautada na justiça e seriedade no trato com os negócios. O caçula dessa família, um rapaz moreno, muito educado e de estatura mediana, por ser letrado o suficiente, foi trabalhar na fazenda e acabou por se tornar um funcionário de confiança, espécie de gerente. Logo que chegou, o jovem começou a organizar as finanças, tomando nota das entradas e saídas e apresentando ao patrão as planilhas devidamente organizadas. Pelo seu compromisso e seriedade com que fazia o seu trabalho, não tardou para que ele fosse admirado.

A família paraibana se abrigara próxima à casa grande, e, ao fim do dia e da lida, quando todos se recolhiam no alpendre, após o jantar, aquele jovem tomava seu violão e dele tirava melodias encantadoras. Não tardou para que ele fosse convidado a tocar nas festas da redondeza. Daquelas cordas saiam as mais suaves canções que alcançavam muitos ouvidos e corações. Tal como a vida no lugar, suas canções eram idílicas, bem ao gosto da época em que muitos cantavam a saudade dos tempos bons (antes da segunda guerra ceifar muitas vidas). Algumas delas bem conhecidas e bastante tocadas no rádio, por exemplo: prá você gostar de mim, com Carmem Miranda; Boa noite amor, com Francisco Alves, entre outras.

Também do seu alpendre, e nem sempre desocupada, aquela jovem se deixava embalar pelas sonoras notas daquele violão. Ela mal sabia que, não tardaria para que o destino, o violão e o amor os aproximassem...Por sua vez, também o violonista reparava nela e algumas cenas da sua infância desfilavam em seus pensamentos. Decidido, ele expressou o desejo de encontrá-la para confessar seus sentimentos, e, por sorte, certificou-se que eles eram correspondidos. Furtivamente, passaram a se ver e trocar leves carícias...Os encontros se repetiam e já eram conhecidos de algumas pessoas, inclusive da mãe do rapaz que o advertiu – a moça era, ainda, muito jovem, a filha do patrão, e ele era o empregado, com mais de trinta anos...

O rapaz, cônscio de que encontrara a sua amada para a vida toda, não perdeu tempo e resolveu pedi-la em casamento. Decisão tomada, pedido feito, mas eis que o pai da moça retrucou – tocador de viola não se casa com a minha filha, a não ser que o senhor, um trabalhador fiel e competente, abandone de uma vez por todas suas noites de seresta e se comprometa unicamente com a família que vai construir. Assim dito, assim feito. Fecharam o acordo e o noivado foi celebrado. Assim foi que, no dia cinco de novembro de 1949, ele com trinta e dois anos e ela com dezoito, deram-se as mãos e se uniram em matrimônio, prometendo um ao outro amor, fidelidade e partilha eternas.

Ele não mais tocou seu violão nas serestas, e, não mais foi às festas, sem que ela também fosse. Naquele lar, os filhos iam chegando e a família crescendo, ano após ano... Um dia, o fazendeiro avisou que venderia a fazenda e eles foram obrigados a morar na cidade. Nesta, ele resolveu ser marceneiro, arte que sabia com esmero, e, ela, apesar do trabalho doméstico, fez da máquina de costura o seu ofício. Juntos, sempre juntos, eles enfrentaram todos os sacrifício para criarem e educarem os filhos, inclusive, segundo os princípios cristãos.

No entanto, aquele marido dedicado, do seu violão nunca se separou e sempre tocava no final do dia, ainda que a lida bruta da vida lhe causasse calos nas mãos. Hoje, dia cinco de novembro de 2009, com os seus treze filhos estão aqui: dona Elvira e seu Vicente, celebrando as bodas de Diamante. Então, qual é o nosso canto? Cantemos agradecendo, primeiro a Deus, o Senhor das nossas vidas pelas graças recebidas. E a eles, que nos receberam, nos amaram, nos educaram, apresentando-nos as sagradas escrituras, especialmente, a leitura dos Evangelhos. Com eles, rezávamos o terço, devoção que ainda nos reúne, não a todos, mas um bom número...

E como a palavra diamante significa aquilo que alguma coisa quer dizer, nós dizemos aos nossos pais que os amamos, e, que, nenhuma palavra pode traduzir o quanto estamos felizes com vocês e por vocês ao festejarmos esses 60 anos de vida partilhada... Sabemos que vocês viveram experiências de muitas dores, mas, também, de muitas alegrias. E o que restou de tudo isso? Essencialmente, muita doação e muito, mas muito AMOR!

Obrigada, por serem os nossos amados pais!

Camila Nascimento.

São Luís, novembro de 2009.

Camilamsn
Enviado por Camilamsn em 24/02/2022
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