Música e cinema

Caymi cantou e decretou: “quem não gosta de samba, bom sujeito não é; é ruim da cabeça ou doente do pé”. Estendo o decreto para todo tipo de música. Meu ecletismo veio da convivência com os filhos que me ensinaram a gostar de reggae, enquanto os netos me apresentaram ao “feminejo”. E assim, de estilo em estilo, as playlists foram naturalmente se formando e se encaixando em gostos e situações diversas, colocando música em tudo.

Nas aulas a trilha sonora começa ambiente e plural, no acolhimento aos alunos. A saudação inicial com propósito interativo, cabe a Zizi Possi e o seu “logo de manhã, bom dia”. Já a chamada para a volta do intervalo cabe a Elba Ramalho cantando “ouvi o toque da sanfona me chamar”. O fim das atividades de grupo tem Ricardo Chaves com o carnavalesco “acabou ô ô ô ô, acabou”. E, se algum aluno cochilar, é a vez do trio Nordestino entrar em cena pra dizer que “é proibido cochilar”, tocado a toda a altura.

Pra mim, tudo requer uma playlist. Ao ler um livro fico atento às dicas de músicas citadas e mesmo que não apareçam, já vou imaginando as que mais se adequariam à história que está sendo desfiada. E foi assim, desde sempre, com a minha “formação musical” derivada das rádios AM que dominavam Salvador com os diversos “presentes sonoros” ofertados pelas ondas curtas.

Mas algo me encanta ainda mais: a trilha sonora dos filmes. “Tinha eu catorze anos de idade quando...”, um amigo mais velho, numa sessão de cinema no cine São Jorge, na Liberdade, me alertou para a música que acompanhava a aparição de uma personagem e do efeito que essa junção da cena com a melodia provocava nos espectadores, tornando o momento inesquecível. Foi a partir daí que passei a atinar para esse detalhe, dedicando mais atenção aos efeitos musicais nas películas.

Exemplos não faltam, como o de Gigliola Cinqueti, apaixonada, vendo o seu amado partir, com o avião já taxiando, e ela começa a cantar, da cabine de comando, para a aeronave, “Dio come te amo, non è possibile... noi due innamorati come nessuno al mondo” e o efeito que isso provoca.

Quem esquece do Love Theme de O poderoso chefão? Numa das cenas em que é tocada tem cabras e ovelhas pastando nas campinas da Sicília, esconderijo de Michael, quando ele troca olhares, pela primeira vez, com a bela Apolônia. E Gene Kelly cantando Singing in the rain naquela bela coreografia que inclui o seu guarda chuvas?

A assustadora música de Tubarão, de John Williams, anunciando os ataques do bicho, continua causando arrepios. Já a aurora do homem, com a cena da subida do osso atirado pelo macaco, em 2001 Uma Odisséia no Espaço, foi com o luxuoso auxílio musical de Assim falou Zarathustra, de Strauss. Quem não lembra de “Play it , Sam”, pedido por Ilsa, e o As Time Goes By sendo executado em seguida? Em Perfume de Mulher, brilhou o tango, de Gardel, Per una Cabeza, servindo para que Frank, cego, mostrasse suas habilidades de dançarino.

E assim, muitas outras músicas associadas a cenas de filmes, surgem nessa perfeita harmonia entre a primeira e a sétima artes. Olhos e ouvidos atentos, pois como já teorizava Wallon, com emoção aprendemos e retemos muito mais.

Fleal
Enviado por Fleal em 01/03/2022
Reeditado em 03/03/2022
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