Quando o amor brota no desconhecido

Os esposos que se amam, os gêmeos que chegam a sentir da mesma forma no mesmo momento; o amor de mãe, ah o amor de mãe. " Há mães que conseguem sentirem-se felizes com a felicidade dos filhos ", ironiza Leandro Karnal. " O amor não é egoísta, não quer nada para si ", doces palavras que constantemente desmancham no ar. Mesmo as mães, ah o amor de minha mãe, querem ser reconhecidas e amadas de volta, e quem não quer?

Essa história começa com uma mãe e um filho de 6 anos fugindo de um marido bêbado e violento. Em 1997, o interior do Maranhão é o espelho do modo Sarney de governar: duro, infértil, violento, pobre, sem esperança. Mas o filho está ao lado de sua mãe, ah o amor de mãe. Ela não poderia deixá-lo para trás, ele nunca se recuperaria disso. Ele encontra uma família que não conhecia, ela reencontra uma família que quase não foi sua, e nem haveria de ser agora. Os laços de sangue são superestimados nessa sociedade de aparências, " mas é família e família é família." Tolos. Onde deveria ser aconchego e lar é apenas mais um laço de sangue cumprido por obrigação, como um casamento arranjado onde os cônjuges se odeiam. Inferno!

Promessas vindas da Bahia e escutadas aos prantos numa casa telefônica no interior do Maranhão, ali era a selva amazônica ou mais um sertão? Ali era Nordeste? Tanto faz, não era nossa casa. Já foi um dia a casa daquela mãe, nunca foi daquele filho. Voltaríamos a terra onde o filho não seria rejeitado por ser negro; onde o pai carinhoso e marido violento estava arrependido. Voltaríamos como saímos, como uma mão na frente e outra atrás, voltando para uma casa que não era um lar.

Mas o dinheiro é curto, a vida é dura, o sol é quente, aqui também é sertão. A fome aperta, a criança sofre, as pernas faltam. " Moço, o senhor pode dar um café para meu filho, ele está zonzo. " Ah, o amor de mãe, ah o amor de minha mãe. " Posso, mas você vai comer e beber também. " Entraram. Beberam o café mais saboroso que qualquer colheita já produziu, comeram o pão que era o próprio corpo de Deus, banharam-se nas águas mais cristalinas que as do Éden. Banquetearam-se com a galinha caipira mais caipira e saborosa de todas as que Adão nomeou. E em troca, um agradecimento.

A criança só se sentia feliz por algum momento. A mãe entendia a grandiosidade do gesto. Não era marido, não era pai, não era avô, não era irmão, não exigiu nada. Apenas estendeu a mão. Apenas deu amor e se despediu. A Bahia aguardava de novo.

As nostalgias pegam um homem de trinta anos pela manhã sem ele estar preparado. Porque? Porque aquele gesto? O homem não entende. Num mundo de indiferença é difícil acreditar no amor. Mas ele se lembra, não há um nome, os traços já lhe são confusos na memória, mas ele se lembra. Ah, o amor de minha mãe, ah o amor. O amor que surge num banco de praça qualquer num interior qualquer e atende um pedido de uma quase desconhecida. O homem de trinta vai às lágrimas porque relembra que existe amor. Ah, o amor.

" Deus é o Amor, filho. E o Amor é um Deus que me basta " *

* Trecho da canção Desconsolado, da banda soteropolitana Cascadura, presente no disco Bogary.