A vida não é filme. Ou é?

Se minha vida fosse um filme e eu fosse a personagem principal, provavelmente seria um desses filmes europeus com fotografia artística que alguns críticos até elogiam mas o público em geral não vê muita graça.

Sempre meio cinza ou sépia, em cenas onde eu andaria pela capital de algum lugar, ocupada, invisível, absorvida por algum subemprego com um chefe escroto.

Ou talvez eu fosse aquele tipo de garçonete, dessas que ficam servindo café e anotando pedidos dos clientes com uma cara de tédio e um chiclete na boca. Ah, não, espere. Isso é coisa de filme americano. Acho que me confundi.

Meu filme não seria tipo Amélie Poulain. Ah, não… não com aquela trilha sonora linda e aquelas cores berrantes. Seria algo mais sem graça e monótono: uma coisa mais dramática e realista.

A heroína, no caso eu, a protagonista, faria as coisas que tinha que fazer heroicamente e teria diálogos corriqueiros. A trama seria bem realista, talvez baseada em um livro de alguma autora contemporânea. Em algum momento, claro, existiria um conflito: o ponto alto da história. Eu resolveria o conflito e aprenderia algo com isso - coisa que já faço o tempo todo, inclusive. E então perceberíamos que apesar de todos os percalços e dos dias cinzas a história continua.

A maioria das pessoas não ia gostar e algumas poderiam até sair do cinema dizendo que o filme era uma droga. Outras comentariam que era de uma delicadeza e beleza bem sútil, mas na verdade não entenderam nada da história. Talvez saísse uma crítica em algum lugar falando que o filme era bom, que retratava uma verdade inquestionável ou coisa parecida.

Mas somente eu e você sabemos que pouco importa a opinião de todos esses que assistem ou opinam sobre o filme que seria a minha vida. Só cabe a mim assistir a reprise e no fim opinar se foi ou não um filme que valeu a pena. E de nada vai adiantar se arrepender e tentar destruir a fita envergonhada.

Por mais trash que algumas cenas possam parecer, o filme é totalmente autoral e eu posso ter minhas cenas favoritas - que normalmente são aquelas em que estou chegando em casa e dando ração ao gato ou me servindo de uma taça de vinho e sentando em um sofá disposto em uma sala escura e ninguém nunca vai saber se foi erro de iluminação ou se estava escura de propósito.

Essa é a grande diversão de ter um filme só meu!

Muitas vezes me senti uma personagem de mim mesma e me julguei mal porque precisava colocar uma máscara para interpretar alguma nuance de mim para a sociedade. Hoje estou tentando ser mais compreensiva e entender que às vezes é necessário e provavelmente eu não sou a única a fazer isso.

Dentro do meu filme eu posso ser várias. Eu me permito e me aceito. Desde que eu não seja injusta comigo mesma e não me violente, não me force a ir por caminhos que não quero ou não precise encenar coisas que irão me ferir. Mas talvez eu precise, sim, interpretar alguém mais risonho ou mais compenetrado em alguns momentos. O importante é que eu saiba voltar da cena sem tanto auto julgamento e sem me importar ao extremo com a opinião do público.

Afinal, tudo não passa de entretenimento. Eu não devo levar a vida tão a sério.