PELAS COSTAS

PELAS COSTAS

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Falar pelas costas é quase como uma força estranha que nos domina sem que percebamos. Estamos em determinada situação, de repente ao nos distanciarmos de alguém, que foi alvo da nossa atenção há pouco, iniciamos nossos comentários sobre ele, ela e suas respectivas atitudes.

A fofoca é tão antiga quanto a escrita e o ser humano, com toda sua expertise em analisar a vida alheia, consegue assentar-se sobre o trono da razão e mencionar ponto por ponto dos possíveis (quem sabe provaveis) erros que determinada pessoa ou instituição cometeu.

O grande problema está quando o erro dos comentados afetam outras pessoas, enquanto os comentaristas só podem apresentar uma solução quando não há mais necessidade.

No ambiente escolar tem muito disso:

Umas das minhas primeiras Reuniões de Pais fora um fracasso. Após o término da apresentação da pauta escolar, todas as que lá estavam reclamaram umas às outras de um aluno que dava problema há muitos anos (embora eu chegara a pouco tempo na instituição), e cada mãe e pai presente só falava deste menino.

Entretanto, a mãe do mesmo não estava lá para ouvir. Questiono-me se aquelas pessoas teriam tal energia para dizer as coisas que disseram olhando nos olhos da mãe do dito cujo.

Pelo que já percebi, não.

Noutra ocasião, algum professor dispensa os alunos mais cedo durante o período letivo. Isso é errado, decerto. Todavia, nas reuniões de docentes, quando esta pauta em questão é mencionada, tudo o que é feito são dar socos no vento, já que a pessoa que liberou os estudantes antes do sinal bater nunca está lá para ouvir o que está sendo dito e o problema continua.

Protestam. Barafustam. Rezingam. Fúria. Inconformismo. Zero confronto. Zero correção. Vida torta que segue reta.

Todo ajuntamento com o tema "Onde podemos melhorar?", não importa onde seja, me parece que consiste sempre em reclamar da atitude de certas pessoas e nunca confronta-las com nossa opinião diante das mesmas.

Hoje presenciei um caso absurdo:

Dentro do ônibus uma moça ocupava um assento e, o que aparentava ser sua filha, de aproximadamente nove anos, o outro. Uma senhora adentra no transporte e ao invés da jovem ceder o lugar ou colocar a criança em seu colo, tudo transcorreu como se um ser invisível estivesse diante deles e a idosa permaneceu em pé até o momento de descer. Pontos depois desce a ocupante do assento com a menina.

Quando já estávamos quase no ponto final (local que desço) e ainda havia muitos passageiros no ônibus, a cobradora começou a soltar impropérios de indignação para o motorista e para o público:

"Eu nunca vi covardia tamanha! A mulher não cedeu o lugar pra senhorinha e nem pôs a menina no colo. Gente, que judiação! Que povo mais sem noção!"

Ao desembarcar, senti um grande incômodo pois, embora a cobradora estivesse certa, por que não falou com a mãe da menina para que cedesse lugar já que estava tão revoltada com a situação?

Por que ela só soltou os cachorros fazendo os passageiros de ouvintes de sua cólera justa, mas permaneceu testemunha inerte durante todo o percurso?

Isso só mostra no que o ser humano é bom: em falar pelas costas. Quase nunca confronta o injusto, porém sempre critica a injustiça. E dar remédio para paciente morto é o mesmo que nada.

Agora vou descer do ônibus.

Chegando em casa vou publicar essa crônica, mas só em casa. Não quero que a cobradora saiba sobre quem escrevi. Vai que ela descobre que estou falando dela?

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 10/03/2022
Reeditado em 10/03/2022
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