O QUE EU VOU SER QUANDO CRESCER ?

Quando eu não sabia o que era ser, nem tampouco crescer, ao ser perguntado o que seria, dizia: japonês!

É um dos mistérios da vida, que me tem acompanhado.

Quando transitei da infância para a adolescência, senti que perdera certos poderes, ia me tornando uma pessoa limitada. Com o passar das vidas, compreendi que aquela criança, o adolescente- pessoas tão diferentes - ,não estava certa ou errada. O sucessor deveria recuperar a genialidade, que nos pequenos é tão natural, o domínio sobre o tempo e a eternidade, a sensação de imortalidade e liberdade,  para que os anos futuros não aprisionassem e limitassem. Os adultos desviam o olhar das estrelas para os espelhos,  janelas, telas de outras mentes, muitas coisas que têm pouca importância.

Recordo-me da indignação de meu irmão, quando estava com uns dez anos, ao presenciar uma cena de violência, gritando, aos prantos, que não queria crescer. Há um distanciamento incompreensível entre o mundo das crianças e o dos homens.

Li certa vez que o ser humano é ingrato por natureza; que a construção do sentimento de gratidão poderia transformar a vida e os momentos difíceis, que todos acabam por passar. Para ser grato seria necessário ter um caderno de anotações íntimo e ali consignar as passagens e pessoas, as quais, no decorrer da vida, estavam a nos ajudar e orientar, esclarecendo sobre o certo e o  errado, enquanto a nossa razão incipiente fosse incapaz de discernir; e estar sempre a reler o anotado, para que o sentimento fosse surgindo, como uma plantinha no pequeno e formoso jardim, que deve estar sempre sendo regado com a nossa atenção e  cuidado para não desaparecer pelo esquecimento.

Ao manter no presente aquilo que vivemos no passado e nos foi grato, experimentamos uma sensação de existir consciente, que as palavras não têm possibilidade de traduzir. Esquecer é sinal de ingratidão para com a vida e aqueles que a tornaram alegre e feliz.

A lição da gratidão habilita-nos a ser credores de outros momentos felizes no futuro.

A ingratidão é um dos grandes males, uma das grandes doenças que padecemos; seus frutos são a depressão e o vazio. Esquecemos as coisas boas que vão acontecendo: pequenos sucessos e alegrias, emoções a colorir o dia-a-dia, tantas vezes pálido da existência. A simples recordação destes momentos - como um condão mágico - poderia transformar um de tristeza noutro de alegria.

A gratidão, este sentir agradecido pelo bem que  se viveu, a revivescência de um passado que não deve morrer nunca, é um sentimento mágico, que cada ser humano tem o poder e o dever de cultivar em seu coração.

Quando eu dizia que queria ser japonês, deveria estar com uns três anos. Eu nunca tinha visto um, mas dizia com uma convicção muito forte. Quando tinha uns seis anos, uma família de orientais mudou-se para a nossa rua no bairro da Aclimação; era o seu Makoto, o dono do mercadinho, com todos aqueles meninos alegres, que vinham assistir aos desenhos do pica-pau em minha casa nos finais de tarde; eles eram muito felizes e sorriam também com os olhos.

O Externato Ana Silveira na Avenida Lins de Vasconcelos era muito perto de casa; eu, muito pequeno, ia a pé. E lá comecei a conhecer o teatro na encenação do Pequeno Polegar e querer continuar sendo outras pessoas, outros meninos, nos ensaios e no palco, e a esquecer o sonho de ser japonês e sorrir com os olhos. E os anos que se seguiram foram muito alegres e felizes, crescendo e vivendo os personagens de Monteiro Lobato, Mark Twain e  tantos outros escritores, que se preocuparam por construir uma literatura infantil útil para as gerações futuras.

Com o passar do tempo, os adultos deveriam ir se preocupando mais com as crianças que estavam chegando, e recordando e recuperando a criança que um dia foram, pois este esquecimento é uma das maiores ingratidões.

Podemos estar sempre sendo e  crescendo, e mais importante que a profissão escolhida é a vida pela qual optamos com as inerentes responsabilidades para com a sociedade da qual fazemos parte. Tudo o que fizermos pelo ser humano que somos, estaremos fazendo pela sociedade; o importante é sempre querer ser e crescer, para que a vida se amplie e adquira maiores significados.

Nagib Anderáos Neto