Stella. Sim, no plural.

Enquanto a água do chuveiro molha teu corpo, Stella pensa no que vai fazer. Recém chegada na cidade que já respira à Páscoa, ela decide. Vai sair, com seu melhor sorriso de companhia. Se arruma e tenta se aquecer com a roupa que levou na bagagem.

E pensa: deveria ter trazido alguma roupa de frio a mais. De fato, a neblina e a garoa que a receberam no portal da cidade não estavam sendo esperadas.

Errou. E se perdoou. Gentilmente. Afinal, havia perdido um pouco a mão para viajar depois de tantas restrições que a pandemia impôs.

E sai. Na rua. Ela. Sua máscara que insiste em lhe acompanhar. Seus cabelos cacheados e grisalhos que lhe dão orgulho e a fazem sentir poderosa.

Uma sombrinha à mão, orgulhosa por ter se lembrado de última hora de levá-la e sua melhor cara de confiante. Está na rua. Ela e sua confiança para enfrentar uma noite de sábado, na cidade dos casais apaixonados, sozinha. Mas plena.

Caminha. E se perde. E resolve ligar o GPS. A pé. Sim, nossa garota se perde muito facilmente.Agora sim, caminha numa direção para algum lugar.

Estranha o movimento. Muita gente. Em pares. A falta de máscara. Mas segue. Chega na Rua Coberta. Não podia ser diferente. Chove. Melhor nao se molhar. A esse momento, leitor, devo dizer que Stella está em Gramado.

Caminha na rua com teto de algum tipo de plástico e galhos de árvore. Bonita, reconhece. Olha para cada um dos restaurantes. Qual deles é ideal para ela, na sua solitude, naquele momento?

A lógica leva a crer que será o mais cheio ou o mais barulhento, ou aquele com mesas de jovens solteiros. Mas não.

Na contramão, Stella para no último. O mais vazio. Meia dúzia de mesas ocupadas. Todas com casais. Com caras de felizes? Pôde observar que um desses casais sequer trocavam uma palavra, presos ao celular e sorriam somente as selfies. Câmera off, sintonia do casal idem.

Na verdade, ela nota um casal realmente presente. E juntos. E sorri por eles. Talvez desejasse estar vivendo um momento como o deles. Talvez. Tipo um Talvez quase certeza. Vocês devem saber como é.

Uma mulher lhe lança um olhar estranho. Estaria consternada ou sentindo pena de Stella?

Neste momento, Stella tira sua máscara, mostra seu melhor sorriso, aquele em que boca, de batom cor de rosa, e seus olhos sorriem juntos. O olhar da mulher mudou. Neste momento teve vontade de saber o que ela pensou. Nunca saberá. Isso a inquieta, de alguma forma.

Mas segue no propósito de ter uma noite de solitude incrível.

Se ajeita na cadeira, abre o casaco, o cachecol. Exibe a silhueta da qual se orgulha. Se sente segura com seus 40 anos. Mais até do que quando tinha a metade dele e alguns centímetros a menos de circunferência corporal.

Pede um chope com seu nome. Por isso o plural do título.

O garçom tenta lhe apressar a pedir o que comer. Mas ela, majestosamente, com olhar que sorri lhe diz "estou curtindo o meu momento. Não tenho pressa. Quero tomar minha bebida, e mais outra. Depois eu peço. Obrigada"

Recordou-se de ah, quantas vezes ela pedia logo e voltava para o quarto porque enfrentar o mundo sozinha, a noite não era tão fácil. Sentiu orgulho de si mesma. Ali. Ela estava completamente segura. E feliz. Mexe no cabelo enquanto pensa nisso.

E pede outro chope, seu homônimo. Brinda consigo mesma, à ela mesma. À noite dela. À mulher que se tornou.